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Como o brasileiro pode se defender da alta dos preços dos alimentos neste ano?

Foto Divulgação
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Em entrevista ao R7, o economista Matheus Dias, do FGV Ibre, fala das perspectivas da inflação e o impacto no bolso do consumidor

alta dos alimentos teve influência do clima, do aumento da demanda com a melhora do emprego e da renda, além da desvalorização cambial, que resultou em mais exportações de itens alimentícios, no ano passado. Para o economista Matheus Dias, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), por conta do aquecimento da economia, a perspectiva é que a inflação continue acelerando em 2025.

“No curto prazo, não enxergo perspectivas de melhoras nos preços para o consumidor. É algo que a gente vai ter que acompanhar ao longo do ano”, afirma o economista.

Ogrupo de alimentação e bebidas respondeu por um terço da alta da inflação de 2024, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), do IBGE. Os preços dos alimentos subiram 7,69%, enquanto a inflação cresceu 4,83%. O aumento da carne chegou a 20,84%, a maior alta desde 2019.

No começo deste ano, o excesso de chuva em algumas das regiões produtoras, que afeta a oferta de hortifrútis, e o aumento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre os combustíveis, além do reajuste do diesel, pressionam a inflação, em meio à discussão do governo federal para tentar frear os preços, principalmente, de alimentos.

As previsões do mercado financeiro para o fechamento do IPCA em 2025 estão em alta há 16 semanas, alcançando 5,51%, segundo o último boletim Focus, divulgado nesta segunda-feira (3) pelo BC (Banco Central). Antes dessa sequência de revisões para cima, que começou em outubro, a previsão estava abaixo de 4%.

Nesta terça-feira (4), a ata do Copom (Comitê de Política Monetária), do BC, afirmou que o preço alto dos alimentos deve se propargar e admitiu novo estouro da meta de inflação.

Com isso, os brasileiros devem conviver com a conta alta do supermercado por mais tempo. “A solução é tentar se ajustar à alta dos preços”, orienta Matheus Dias. “O que o consumidor sempre pode fazer é tentar procurar alternativas, seja de marcas ou de até estabelecimentos que possam ter diferenciais de preços, que acabem compensando.” Veja a entrevista a seguir:

Inflação oficial do país em 2024 foi de 4,83%Joédson Alves/Agência Brasil – 10/01/2025

R7 – Quais são as perspectivas para a inflação no bolso do brasileiro?

Matheus Dias – Como em 2024, o aumento principalmente de alimentos e serviços, além dos fatores que a gente já vem acompanhando, pelo fato de, no primeiro semestre, ter uma aceleração mais forte do câmbio, o real foi ficando mais desvalorizado. E isso vai tendo desdobramentos que vão ocorrendo na medida em que esses efeitos se mantêm mais fortes.

São efeitos bastante defasados, a depender do setor. A indústria acaba tendo um repasse mais lendo dessa desvalorização cambial. Boa parte dos alimentos é commodity, negociada em mercado internacional, como carne, milho, soja. Apesar de a soja não ter um consumo direto, digamos assim, por parte da população, ela é bastante consumida na pecuária, na produção de gado e de aves. Então isso tem efeitos indiretos sobre os preços finais de alimentos.

E, para fechar, a gente já vem com aumento de renda por parte da população e redução dos índices de desemprego. Isso tem efeitos sobre os serviços, que normalmente têm relação muito forte com a renda. Por exemplo, empregada doméstico, salão de beleza e restaurantes são serviços que estão relacionados a melhores condições financeiras da população, que acaba direcionando parte da renda para se dar “certos luxos”, digamos assim.

A pessoa acaba comendo mais fora por ter melhores perspectivas de emprego e também pelo fato de ter um orçamento um pouco maior. O consumidor acaba, enfim, não se limitando ao básico que seja alimentação e habitação.

Por conta desse aquecimento da economia como um todo, a perspectiva é que a inflação continue acelerando em 2025.

Inflação continua com previsão de altaValter Campanato/Agência Brasil/Arquivo

R7 – No caso dos alimentos, que corresponderam por um terço do impacto da inflação total em 2024, tem alguma luz no fim do túnel?

Matheus Dias – Depende muito dos alimentos. Com o preço dos bovinos, por exemplo, que foi o grande destaque das altas em 2024, a expectativa é que continue em patamar elevado por conta de uma inversão do ciclo da pecuária. A gente vai ter uma menor oferta e isso vai fazer com que o preço se mantenha em patamar elevado. E ainda tem a questão cambial. Mesmo em queda nos últimos dias, o dólar continua alto, e isso faz com que as exportações se mantenham fortalecidas.

Existe alguns fatores de risco para que haja essa reversão, no caso da reversão da tendência de aumento de preço. E isso depende muito de como o mercado internacional vai se comportar. A China é o grande importador de bovinos, e existe sempre a expectativa de que o país vai continuar crescendo com bastante robustez.

Mas alguns analistas acreditam que o país pode crescer menos e isso faz com que o consumo interno reduza e, consequentemente, você tenha um menor direcionamento das exportações do Brasil para a China. Se esse cenário vier com uma queda na taxa de câmbio, pode ser que a gente tenha preços de carnes mais atrativos para o consumidor interno.

Mas isso seria um cenário alternativo. O que a gente tem hoje é dólar forte, com as exportações ainda em patamar atrativo junto com a inversão do ciclo da pecuária, fazendo com que tenha menor oferta. E isso faz com que o preço aumente.

R7 – Como o consumidor pode se defender dos preços mais altos?

Matheus Dias – Essa é aquela pergunta que a gente sempre tem que pensar com cuidado, porque cada consumidor tem um perfil. A gente acaba não conseguindo abrir mão de certos itens, porque são essenciais. Então, por exemplo, se a gente for pensar em alimentação, o que o consumidor sempre pode fazer é tentar procurar alternativas, seja de marcas ou de até estabelecimentos que possam ter diferenciais de preços que acabem compensando. Tem itens que são sensíveis, como moradia. O aluguel normalmente quando aumenta a gente procura renegociar. Então, o melhor que as pessoas devem fazer é reavaliar cada item e ver onde pode reajustar. A solução é tentar se ajustar à alta dos preços.

Inflação oficial do país em 2024 foi de 4,83%Joédson Alves/Agência Brasil – 10/01/2025

R7 – Com relação à acomodação do dólar em patamar alto, o boletim está sinalizando aumento da estimativa de inflação para esse ano muito longe do teto. A questão dos juros pode agravar tudo isso?

Matheus Dias – Os juros acabam impactando o consumidor pelo canal de crédito. O consumo é um grande motor do crescimento econômico e depende do crédito. Com taxa de juros mais elevada, você acaba tendo um crédito mais caro. Isso pode fazer com que ocorra um resfriamento do consumo, uma retração. Alguns itens que são bastante pressionados pela demanda podem fazer com que os preços diminuam.

A inflação pode desacelerar pelo lado da demanda, mas ela vem com o efeito de redução do consumo. Assim, o que é muito afetado com essa taxa de juros mais elevada, que pode fazer com que os preços reajam, é principalmente, o consumo de bens duráveis, que são muito sensíveis ao crédito. E até mesmo alguns serviços.

Então, você tem esse contrabalanceamento que é um dos objetivos da política monetária, a redução da inflação via esse canal da taxa de juros, que é fazer com que você tenha essa redução desse ímpeto do consumo.

Aumento no preço dos combustíveisROMILDO DE JESUS/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO – 03.02.2025

R7 – O ICMS sobre os combustíveis aumentou neste mês, com acréscimo de R$ 0,10 no preço da gasolina nas bombas, além do reajuste do diesel. Isso aumenta ainda mais essa pressão?

Matheus Dias – Os combustíveis para as famílias que têm carro, aqui a gente está falando de diferentes perfis de famílias, então normalmente aquelas que consomem mais transporte público, ônibus e metrô normalmente não andam tanto de carro e vice-versa. Então esse aumento no ICMS sobre a gasolina tem um efeito de aumento da inflação principalmente para quem anda de carro. Já o diesel impacta transporte de alimentos e transporte público.

R7 – O excesso de chuvas no início do ano já está afetando a colheita e oferta de hortifrútis. Isso também agrava mais ainda?

Matheus Dias – Não somente a oferta de hortifrútis, como havia falado no início, a questão da colheita de soja e milho é bastante importante, porque ela tem um efeito em cascata. A Região Sul tem sofrido bastante com chuvas, onde existem grandes áreas de soja, arroz e feijão, que podem ser impactadas.

No momento, existe alguma estimativa de impacto sobre a safra 2024 e 2025, mas não tem ainda nada muito concreto. Caso ocorram grandes perdas, com certeza, os preços vão sofrer reajuste para cima. Em relação a hortaliças e verduras, existe uma questão sazonal. Nesse período do ano, principalmente, esses itens tendem a ter um aumento por conta desses extremos climáticos. O volume de chuva muito grande e extremos de temperaturas, como uma temperatura muito alta durante o dia, fazem com que tenha uma maturação mais rápida da lavoura.

Quando tem safras muito boas, com produtividade muito alta devido à questão climática, ou seja, você acaba maturando muito rápido, alguns períodos do ano ficam com produção menor. Esses extremos climáticos, como chuvas muito intensas, como variações climáticas muito fortes, fazem com que, principalmente, as hortaliças sofram esse efeito. Então, os preços aumentam para o consumidor.

Preços de carnes subiram 20,84% em 2024Valter Campanato/Agência Brasil

R7 – Existe uma perspectiva de melhora nos preços de hortaliças e carnes?

Matheus Dias – No curto prazo, não enxergo perspectivas de melhoras nos preços para o consumidor. É algo que a gente vai ter que acompanhar ao longo do ano. O que se tem de boas perspectivas é que o ano seja mais tranquilo em relação ao ano passado na questão de eventos climáticos. A gente tem perspectiva de que haja neutralidade do La Niña. A gente não vai sofrer com esses efeitos que acabam alterando o curso normal do clima. E, com isso, pode ser que a gente tenha alta produtividade da safra de alimentos ao longo do ano, fazendo com que os preços tenham menos volatilidade.

R7 – A previsão do mercado financeiro para a inflação está em alta há 16 semanas. Qual é a estimativa do senhor para este ano?

Matheus Dias – A minha estimativa está com o mercado, que a gente vai continuar tento alta por conta de como o câmbio está afetando, de como os serviços ainda estão em alta. Por conta desse aquecimento da economia, os alimentos ainda estão impactando, por mais que a perspectiva seja que a gente venha a ter menor volatilidade do que o ano passado, ainda assim a expectativa não é que não vai ter nenhuma variação, isso não existe. A expectativa é que a inflação vai girar em torno de 5,7% no final deste ano.

Inflação oficial mês a mêsLuce Costa/Arte R7

R7 – Além disso, o governo estuda medidas para baratear os alimentos.

Matheus Dias – Em relação a medidas do governo que venham a mitigar tanto volatilidade dos preços quanto abastecimento, elas acabam esbarrando em questões do mercado, digamos assim, que depende muito de como serão as condições climáticas para saber se a produtividade será alta ou baixa.

Então pode ter efeito no curto prazo, mas, na medida que for se mantendo isso, você acaba tendo despesas muito grandes e vai ter um efeito contrário já que você vai acabar atrapalhando o outro lado, que é o lado fiscal.

Acredito que seja insustentável manter política de manutenção de preços por tempo prolongado, porque existe uma gama de alimentos que acabam impactando o consumidor, que dependem de condições climáticas, são ciclos muito específicos. O ciclo do leite não é o mesmo, por exemplo, das hortaliças e verduras, que por sua vez é diferente em relação ao do café. A cana que acaba impactando o açúcar, em geral, é diferente do ciclo da carne.

Então, acredito que seja um cenário muito complexo. Por conta disse que acho que as condições climáticas mais estáveis que a gente espera este ano venham a contribuir para a menor volatilidade dos alimentos. Então, no final das contas, o objetivo de ter preços mais estáveis vai ocorrer mais por conta da natureza.

Em relação aos alimentos, o principal fator gerador de aumento ou redução de preços é o clima. Os produtos são muito sensíveis, principalmente alimentos in natura, como batata e hortaliças, que não têm nenhum tipo de processamento industrial. Esses são muito difíceis de você ter algum tipo de barateamento de custos significativo, porque dependem de fator climático.

Se você tiver uma área que produz arroz e essa área fica alagada por conta de um período sucessivo de chuvas torrenciais, você vai ter perda de safra, que vai afetar como um todo, com uma menor oferta. A demanda para alguns produtos acaba sendo muito constante, principalmente de alimentos que são essenciais na nossa vida. Então você tem muita rigidez em relação a isso.

Quando você tem uma oferta, naturalmente o preço tem que subir. Essa perda de oferta normalmente ocorre quando tem seca, chuvas muito fortes, geadas e assim vai. Agora, quando a gente vai encaminhando para alimentos processados, que têm outras questões envolvidas, com complexidade maior na precificação, aí sim você pode pensar, talvez, em alternativas mais eficientes de barateamento de custos, por exemplo, redução de impostos caso sejam altos. Enfim, pode ser que alguns insumos sejam importados e quando há aumento da taxa de câmbio acaba ficando muito sensível, o que faz com que o seu produto final seja maior.

Fonte R7

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