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Especialista da USP explica como o vínculo entre tutores e cães pode moldar comportamentos

Semelhanças de personalidade entre humanos e pets ajudam a fortalecer vínculos, mas também podem gerar conflitos na rotina
Mais do que companheiros, os cães podem ser verdadeiros reflexos de seus tutores. Um estudo publicado na revista acadêmica Personality and Individual Differences aponta que pessoas e seus pets compartilham traços de personalidade e até hábitos de saúde semelhantes. Essas semelhanças podem surgir já na hora da escolha do animal ou se fortalecer à medida que a convivência se estreita.
A especialista em psicologia experimental e etologia Mariana Hess, mestre pelo Instituto de Psicologia (IP) da USP, explica que o comportamento do tutor pode influenciar diretamente o do cão. “Tutores que têm traços mais elevados de neuroticismo (nível crônico de desajustamento e instabilidade emocional) podem ter cães mais inseguros, que apresentam ansiedade. Pessoas mais neuróticas acabam sendo um pouco mais instáveis emocionalmente e podem atrapalhar até mesmo a forma como o cão interpreta o treinamento. Já pessoas extrovertidas geralmente têm cães mais sociáveis. Tutores com maior conscienciosidade tendem a ter cães mais obedientes, o que reduz as dificuldades no adestramento justamente pela estabilidade e consistência que mantêm no treino.”
Convivência e saúde mental
Apesar de parecer sempre positivo, Mariana explica que as semelhanças entre tutor e cão nem sempre trazem benefícios à relação. “Quanto maior o nível de apego, maior também o nível de ansiedade, estresse e depressão. Isso não significa necessariamente que um cão vai trazer mais ansiedade, depressão e estresse. Significa que o nível de apego seja tão exacerbado, que pode ser usado como uma forma de combate nessas questões. É uma forma de tentar lidar com o enfrentamento para um nível maior desses sentimentos.” Ela continua: “um tutor que é muito extrovertido, ativo, enérgico e sai muito, às vezes quer levar o cão, mas se ele for ansioso, ele pode ficar muito estressado nessas situações sociais. Se o tutor sai muito e deixa o cão muito tempo sozinho, isso também pode ser ruim. Ao contrário também, se são cães muito ativos e enérgicos, com tutores que ficam mais em casa, acaba sendo ruim porque o cão vai ficar muito agitado, inquieto e estressado”.
Por outro lado, Mariana destaca que certas semelhanças podem favorecer a relação. “Quando há traços em comum, como extroversão ou amabilidade, o vínculo tende a ser mais positivo. Tutores sociáveis e cooperativos costumam proporcionar interações mais saudáveis e prazerosas para o cão, promovendo bem-estar físico e emocional, além de fortalecer laços mais estáveis e seguros.” Ela destaca que “nem sempre a semelhança de personalidade é o fator determinante para a qualidade do vínculo, e sim quais tipos de semelhança estão presentes.”
A especialista conclui que o cão é um apego seguro. “Ele sempre vai estar com você e isso traz uma segurança de apego, o que acaba facilitando até mesmo para você ter outras relações seguras”, explica. “O fato de você desenvolver essa relação com o seu pet ajuda também a desenvolver uma melhor relação com outras pessoas.”
Rotina ativa, corpo e mente mais saudáveis
Mariana afirma que a relação pode influenciar o nível de atividade física de ambos. “Quanto mais o tutor sai para passear e fazer atividade física, tem correlação, incluindo o cão a sair com ele. Se o tutor é uma pessoa mais ativa, sair para passear com o pet acaba não sendo um grandíssimo esforço e isso faz com que o cão também tenha mais nível de atividade física.”
Segundo a especialista, essa rotina traz benefícios diretos à saúde do animal. “É um fator de proteção para doenças crônicas e músculo-esqueléticas, além da obesidade. Mentalmente também, uma atividade física mais regular tem relação com menor índice de ansiedade e agressividade.”
Escolha consciente e adoções mais responsáveis
Com base no estudo, a especialista acredita que esse tipo de conhecimento pode contribuir para adoções mais responsáveis no futuro. “Entendendo que existem alguns alinhamentos de temperamento e personalidade que vão ser positivos ou não para a relação, é essencial entender qual cão vai fazer mais sentido na nossa vida, sem querer ficar moldando-o.”
Ainda segundo Mariana, esse tipo de adoção pode beneficiar especialmente cães mais velhos. “Cães mais velhos costumam ser mais compatíveis com determinadas pessoas, porque já conhecemos melhor sua personalidade, o nível de atividade física e o grau de atenção que precisam. Tudo isso se define com o tempo. Assim, podemos ampliar o olhar para a adoção de cães adultos, e não apenas de filhotes.”