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Jesuíta Barbosa fala ‘Homem com H’, em que interpreta Ney Matogrosso: ‘O filme discute sexualidade do início ao fim’

Cinebiografia dirigida por Esmir Filho chega aos cinemas nesta quinta-feira (1)
Quando Esmir Filho recebeu o convite para dirigir uma cinebiografia de Ney Matogrosso, em 2021, um nome logo veio à cabeça para viver o protagonista: Jesuíta Barbosa. Ainda assim, ele decidiu fazer testes em todo o Brasil para o papel. Mas sempre que conversava com alguém sobre o projeto, ouvia do outro lado: “É o Jesuíta que vai fazer?”
Na pele da drag Shakira do Sertão na série “Onde nascem os fortes” (2018), Jesuíta já havia colecionado elogios ao interpretar a canção “Mal necessário”, imortalizada por Ney no álbum “Feitiço” (1978), e “acabou ficando no subconsciente das pessoas”, lembra o diretor, que, após receber testes do ator, percebeu que não havia mesmo outra opção.
— Era para ser ele. Como Ney, Jesuíta é um artista muito plural, expressivo e livre. Ele exala o mesmo perfume do Ney — disse Esmir, de 42 anos, ao GLOBO, durante evento de anúncio do filme em São Paulo. — Eles têm essa característica de serem meio bichos. Se você cutuca, são arredios; se acaricia, são manhosos. Eles modulam uma energia parecida. São calmos em suas respostas. Mas em cena ou no palco, explodem.
O resultado da aventura pode ser conferido em “Homem com H” , que tem estreia oficial amanhã nos cinemas do país, com algumas sessões abertas ao público já a partir de hoje. O longa acompanha a história de Ney desde sua infância, marcada por muita repressão por causa do pai militar, até a fama nos palcos, inicialmente com os Secos & Molhados e na sequência em carreira solo, com hits como “Sangue latino”, “Rosa de Hiroshima” e, é claro, a música que dá título ao longa. A obra relembra ainda amores que passaram pela vida do artista, como o médico Marco de Maria (vivido por Bruno Montaleone) e o cantor Cazuza (Jullio Reis).
Aos 33 anos, vivendo em São Paulo (ele nasceu em Pernambuco, cresceu no Ceará e morou no Rio) e dono de um currículo com muitas obras de destaque, como os filmes “Tatuagem” (2013) e “Praia do Futuro” (2014) e a novela “Pantanal” (2022), Jesuíta conversou com o GLOBO sobre desafios de interpretar Ney, encontros com o músico, outros projetos profissionais e sua relação com redes sociais, onde conta com quase um milhão de seguidores.
Como foi o desafio de dar vida a Ney Matogrosso nas telas?
Acho que já existe um imaginário do Ney em cada pessoa. Na minha cabeça sempre existiu essa pessoa transgressora e performática, um artista completo que dança, canta, atua. Me interessava esse desafio difícil. Existe uma certa loucura em quem trabalha com representação, que é essa vontade de fazer algo que é difícil. E não foi fácil fazer este filme. Foi um longo processo de três meses de ensaio, com o acompanhamento de vários profissionais.
E as conversas com Ney?
Pude encontrar Ney algumas vezes. Fui três vezes à casa dele e comecei a observá-lo de perto. Ele é um bom contador de histórias e sempre me recebia com um bolinho, com um café, buscando me deixar confortável. Em nenhum momento quis trazer uma imitação dele, que é o que muitas vezes as pessoas fazem. Queria conhecer essa figura que estava ali disponível, queria entender um pouco esse mistério dele, queria entender em que lugar tinha semelhanças e diferenças. Ney abriu esse portal magnético de criatividade, transgressão, fisicalidade e sexualidade, e a mim interessava encontrar este lugar. Fui achando meu Ney de forma natural. Conversando com ele, prestando atenção nos silêncios dele, vendo os objetos da casa dele, visitando o acervo dos figurinos dele.
O que acha que já tinha de Ney dentro de você?
Nunca diria que tenho algo de Ney em mim, mas o que eu gostaria de ter, e que talvez ele tenha introjetado em mim de forma inconsciente, é um lugar de tranquilidade enquanto indivíduo, de respeito a si. E é algo que sempre quis na minha vida. O filme mostra essas relações pessoais e familiares do Ney. E algumas se pareciam comigo, com minha vida. O pai dele era militar, o meu também. Essa relação com o pai me pegou um pouco. Quando cheguei à casa dele, notei que havia três pedras grandes, bonitas. Depois, ele veio me dizer que haviam sido presentes do pai. Foram os objetos que mais me encantaram. Deitei no chão na casa do Ney, botei a pedra em cima de mim, fiquei querendo resgatar a energia de um astral familiar, que é o ponto de partida dessa dramaturgia. De uma relação tempestuosa com o pai que o projeta para este lugar mais libertário.
Ney classificou o filme de “sem pudores”. Como viu a presença do sexo na história?
O filme discute sexualidade do início ao fim e é sempre importante falar sobre isso. Falar sobre sexualidade é falar sobre criação de uma criança, sobre libertação de estigmas parentais e sobre o movimento sexual enquanto um exercício. A discussão sobre sexo cai sempre num lugar de julgamento enquanto indivíduo. O que você faz sexualmente? Qual seu papel? No filme, mostramos um corpo que vai crescendo, se transformando e ganhando uma integridade muito particular. É onde vejo o sexo no filme. Tem um momento muito libertino do Ney, em que ele se joga quase numa experimentação para se entender no mundo. E o filme representa bem isso em uma cena que toca “Postal de amor”, do Fagner e dele. A música toca e ele faz sexo loucamente com várias pessoas. Aquilo me representa e acho que representa muita gente.
Como artista LGBTQIA+, qual a importância de se posicionar contra preconceitos?
Acho que temos que nos posicionar como brasileiros. Precisei lutar pela minha sobrevivência desde que nasci. Tentei romper barreiras familiares e ancestralidades que não funcionavam para mim. Enquanto brasileiros, precisamos fazer escolhas e entender o que é bom, o que é ruim. Fico feliz em ter feito trabalhos que contemplem este lugar de libertação sexual e social. Me interessa muito, é um lugar possível de criação e de entendimento pessoal. E eu continuo tentando me entender enquanto pessoa.
Você vem de um trabalho de muita exposição em “Pantanal”. Agora um grande protagonista no cinema. Como vê este momento em sua carreira?
“Homem com H” me deixa um pouco nervoso. Interpretar alguém tão importante e vivo… Mas sinto muita alegria por ter passado por essa experiência. Espero que as pessoas assistam e entendam o filme como uma necessidade para um movimento de mudança social.
Com filmes como “Tatuagem”, você teve escolhas de projetos que tinham esse elemento de ousar e transgredir. Como vê isso?
Acho que tive não só sorte de fazer trabalhos que me interessavam, mas um bom radar na hora de escolher meus projetos. Foi “Tatuagem” que me fez entender um pouco de cinema. Ficar isolado por três meses em Olinda, trabalhando com um grande criador como o Hilton Lacerda, me deu um escopo sobre o que eu ia querer fazer. E foi assim, no cinema, no teatro e depois na televisão. Mas o que eu gosto de fazer é cinema.
Algum projeto no momento?
Estou fazendo teatro. Estou trabalhando com Marcio Abreu na Companhia Brasileira de Teatro, um encontro de grupo que tem sido muito importante. Estamos montando uma dramaturgia desde o início. Tem sido muito interessante, produzir um texto, pensar cenas, criar coisas não necessariamente do zero, mas a partir de algo que a gente talvez não saiba direito o que é.
Vivemos num mundo em que as redes sociais ganharam uma dimensão muito grande. Como vê essas ferramentas?
Eu não gosto. Acho um saco, na verdade. Estou cada vez mais triste com redes sociais. Eu tenho Instagram e posto algumas coisas geralmente, mas hoje em dia está impossível você entender o que é ficção, o que é realidade, o que é uma pessoa, o que é uma persona. É tudo muito deturpado. Minha sorte em fazer teatro é poder encontrar um público de verdade, dizer uma coisa ao vivo, trocando energia.
Você é um artista jovem, mas com mais de dez anos de carreira…
Sinto que comecei tem pouquíssimo tempo. Sinto que ainda estou tateando e aprendendo a fazer.
E aos 33 anos, o que está buscando?
Fazer 34 (risos). Mas sério, acho que estou no melhor momento que poderia estar. Estou trabalhando com uma galera muito legal, criando, experimentando coisas.
E como tem sido morar aqui em São Paulo?
Já tem oito anos que moro em São Paulo e gosto muito. Tem sido bom.
Fonte O Globo