Economia
Juros e dólar em alta devem aumentar inadimplência de empresas em 2025
A inadimplência atingiu o recorde de 7 milhões de empresas no Brasil neste ano, quase um terço das companhias existentes, de acordo com dados do Serasa Experian. Com a elevação da taxa Selic e alta do dólar, a expectativa é que as empresas tenham ainda mais dificuldades em 2025. Só com o aumento da Selic em setembro, cerca de 100 mil novas empresas se tornaram inadimplentes em outubro, quebrando uma estabilidade que já durava cinco meses.
“A taxa de juros é uma variável muito importante para a inadimplência das empresas, assim como a inflação é importante para a inadimplência do consumidor. Nesse cenário de inflação e juros subindo, as duas inadimplências vão ficar pressionadas. Então, nos próximos dois trimestres, não esperamos nenhum tipo de arrefecimento nessa tendência”, diz Luiz Rabi, economista-chefe do Serasa.
Junta-se a isso a escalada de 27,6% do dólar neste ano, que afeta sobretudo as grandes empresas com dívida em moeda estrangeira. Um levantamento feito pela Elos Ayta Consultoria, com 101 empresas de capital aberto com endividamento em dólar, mostra que quase 40% da dívida total estava em moeda estrangeira até setembro deste ano. Isso significa R$ 353 bilhões. Desse total, R$ 68,9 bilhões são de curto prazo e R$ 284 bilhões, de longo prazo.
“Porém, no quarto trimestre, o dólar subiu para mais de R$ 6. Assim, mantido o mesmo estoque, estima-se que a dívida total em moeda estrangeira dessas 102 empresas tenha passado de R$ 353 bilhões para R$ 392 bilhões”, afirma Einar Rivero, responsável pelo levantamento. Segundo ele, a valorização do dólar no último trimestre irá impactar significativamente o resultado das empresas. “A despesa extra gerada pela variação cambial tem o potencial de corroer uma parte importante dos lucros, o que, na ausência de alguma estratégia de cobertura cambial, pode afetar negativamente não apenas o balanço das companhias, mas também sua capacidade de investimento e expansão.”
Na visão de Rabi, o cenário macroeconômico tende a melhorar apenas se o governo federal aprovar um corte de gastos efetivo e convencer o mercado de que seu regime fiscal mudou, priorizando o equilíbrio das contas públicas. De acordo com o mais recente relatório Focus, do Banco Central, a Selic, hoje em 12,25%, deve superar o patamar de 15% ao ano em 2025. Já a inflação deste ano deve estourar o teto da meta, de 4,5%, e terminar o ano acima 4,7%.
Economistas avaliam que, mais uma vez, as empresas foram pegas no contrapé. A alta da taxa básica de juros, por exemplo, não estava no radar delas. No início do ano, por exemplo, a expectativa era de que a Selic iria encerrar o ano em 9%, um cenário bem diferente do atual. Já o dólar estava em R$ 4,85.
Desde setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) passou a elevar a Selic. Ela saiu de 10,75% ao ano para 12,25%. Na reunião de dezembro, a alta foi de 1 ponto porcentual, e o BC já indicou que deve promover mais dois aumentos de 1 ponto.
No cenário atual, grandes bancos já colocam no radar a possibilidade de a taxa básica de juros aumentar ainda mais em relação ao que já foi indicado pelo Copom. O Itaú projeta que a Selic deve encerrar o próximo ano em 15%. O Bradesco ainda trabalha para fechar o seu cenário, mas projeta que ela deve chegar ao patamar de 14,5% e 15,25%.
“Com um juro real entre 9% e 10% como o que vamos chegar, as empresas com dívida vão ter um resultado financeiro pior, portanto, terão de fazer ajustes operacionais, reduzir custos, demitir para poder lidar com esse resultado financeiro pior. E o crédito, na margem, vai ficar mais caro”, afirmou Fernando Honorato, economista-chefe do banco Bradesco, em entrevista concedida na semana passada.
O alerta também foi feito pelo economista e filósofo Eduardo Giannetti, em entrevista recente ao Estadão. Segundo ele, esse aumento de juros que o País enfrenta prejudica o setor real da economia. “As empresas que estão endividadas hoje e pagam juros estão tendo perdas, às vezes, por resultado de um enorme esforço de produção e rentabilidade apenas por conta de uma reunião do Copom. Muitas delas vão ter dificuldade para honrar compromissos financeiros.”
O consultor da RK Partners, Ricardo Knoepfelmacher, um dos maiores reestruturadores de empresas do País, afirma que 2025 será um ano difícil para muitas empresas. Com a Selic em torno de 15%, mais de um terço das empresas não vai conseguir honrar as dívidas que contraíram. Para piorar, avalia ele, vai haver um aperto no crédito, com linhas sendo extintas e outras não renovadas. “Para empresas que estejam 2,5 a 3 vezes o Ebtida (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) alavancadas, vai ser um ano muito difícil”, diz o consultor.
Ricardo K., como é conhecido no mercado, afirma que o País verá algumas renegociações e reestruturações forçadas. “Essa é uma realidade que estamos vivendo de uma política monetária de contração e com um juro real muito alto.”
RJ e Extrajudicial
Neste ano, apesar do crescimento econômico, muitas empresas entraram com pedido de recuperação judicial ou preferiram a modalidade extrajudicial. Em ambos os casos houve recorde. Segundo especialistas, a modalidade extrajudicial cresceu devido à sofisticação e à flexibilidade oferecida pelo instrumento, uma vez que as negociações são feitas diretamente entre devedores e credores.
“Foi um momento em que muitos bancos estavam tendo de fazer reestruturações bilaterais para evitar que as empresas entrassem em recuperação judicial e eles fossem obrigados a provisionar o que não tinha garantia real ou extraconcursal, como alienação fiduciária”, explicou Ricardo K. Entre as empresas que optaram por esse caminho, estão a gigante InterCement, terceira maior fabricante de cimento do País, Casas Bahia, Araguaia Níquel Metais e Tok&Stok. O valor total dos pedidos de recuperação extrajudicial que chegaram à Justiça neste ano somou R$ 31 bilhões, mais de 300% acima do total de 2023.
No caso da recuperação judicial, balanço da Serasa mostrou que 1,7 mil empresas pediram recuperação judicial neste ano, até setembro, 73% a mais do que no mesmo período de 2023, quando crises na Americanas e na Light atraíram maior atenção à saúde financeira das companhias brasileiras. É o maior número, entre iguais períodos, da série estatística de 19 anos, sendo comparável apenas a 2016. Segundo Rabi, da Serasa, o ano de 2024 terminará com mais de 2 mil pedidos de recuperação judicial, patamar que supera o antigo recorde registrado na crise econômica de 2015 e 2016.
Perfil
Segundo a Serasa, hoje as micro e pequenas empresas representam a grande maioria de inadimplentes do País, pois elas têm menor resiliência financeira para lidar com ventos macroeconômicos desfavoráveis. Mas as médias e grandes também têm sofrido com o elevado endividamento.
Ricardo Teixeira, professor do MBA de gestão financeira da FGV, afirma que um impacto secundário do aumento do endividamento das empresas é que elas podem precisar repassar o custo do financiamento das dívidas nos preços para o consumidor, gerando impacto também nas vendas. No caso das grandes empresas, as alternativas para contornar os problemas do aumento dos juros vão além do crédito bancário.
“As grandes empresas podem ter ativos para dar em garantia de financiamentos, ou têm vendas programadas que também podem ser dadas em garantia. Além disso, elas têm acesso a linhas de crédito diferenciadas devido ao porte do negócio”, afirma.
Uma a cada três empresas inadimplentes é do setor que mais emprega no País, o de serviços, seguido por bancos e cartões e por telefonia.
A dívida média das empresas era de R$ 22.417,20 em outubro, um avanço de 18% em 2024. O valor é o maior da série histórica do Serasa. Para efeito de comparação, em 2022 o valor era de R$ 18.845,10 em 2019 e subiu gradualmente até o atual nível recorde.
Eficiência
A busca por eficiência operacional no País se tornou um santo graal para as PMEs devido às dificuldades de manter os negócios funcionando e gerando lucros. Com isso, startups surgiram nos últimos anos para ajudá-las nessa missão.
Esse é o caso da Conta Simples, que surgiu como uma empresa de cartões corporativos e evoluiu para uma plataforma de gestão financeira para empresas de todos os setores. Para Rodrigo Tognini, CEO e cofundador da Conta Simples, que captou em janeiro R$ 200 milhões em uma rodada liderada pelo fundo Base10 Partners, conta que as empresas brasileiras que utilizam sua plataforma economizaram R$ 38 milhões devido à eficiência de processos de pagamento.
“A eficiência é o novo lucro, e as empresas que adotarem essa mentalidade estarão melhor preparadas para desafios como juros altos. Paralelamente, é fundamental revisar despesas operacionais, eliminando gastos desnecessários e otimizando processos. A tecnologia desempenha papel essencial nesse contexto”, diz Tognini.
Outro negócio que surgiu para ajudar na gestão financeira das PMEs é a Neofin. Fundada por Laura Camargo, a companhia oferece uma plataforma de inteligência financeira para evitar atraso de contas e automatizar lançamentos de gastos. O negócio tem hoje cerca de 300 clientes. “O caixa é o coração das empresas. Apesar disso, as tecnologias e os processos envolvidos na gestão de caixa não passaram por uma evolução. Então, quando você vê sistemas de marketing, vendas, eles são super sofisticados. Nas cobranças, o pessoal ainda faz tudo no Excel, fazendo muitas tarefas super operacionais”, afirma Laura.
Fonte Jornal de Brasília