Polícia
PF liga PCC a esquema bilionário de tráfico de droga por veleiro entre África e Europa

Depoimento de velejador a autoridades americanas foi peça-chave para desvendar esquema que movimentou 8 toneladas de cocaína
Fevereiro de 2023. Após um informe da DEA (Drug Enforcement Administration), a Guarda Costeira Americana intercepta o veleiro Lobo 4, que ostentava a bandeira brasileira, a 240 milhas náuticas da cidade de Douprou, na Guiné, oeste da África.
A abordagem encontrou o velejador brasileiro Flávio Fontes Pereira em posse de mais de 3 toneladas de cocaína, além de anotações, celulares via satélite e outros aparelhos eletrônicos. O veleiro foi destruído, e Flávio e a droga, levados ao distrito de Middle, no estado da Flórida, nos Estados Unidos.
Era o pontapé da Operação Narco Vela, deflagrada na última terça-feira (29) em cinco estados brasileiros (São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Pará e Santa Catarina), além de outros três países (Estados Unidos, Itália e Paraguai).
A operação apura o esquema que deu origem a oito remessas de droga para a África e a Europa — que, juntas, totalizam mais de 8 toneladas (ou cerca de R$ 1,32 bilhão, conforme os cálculos da Polícia Federal).
Em depoimentos prestados à DEA em solo americano, Pereira identificou os principais núcleos do esquema criminoso, ambos ligados ao PCC, o Primeiro Comando da Capital. Disse que quem o havia contratado para realizar o serviço a bordo do Lobo 4 foi o advogado Leandro Cordasso, também conhecido como “Doutor”.
Para a PF, ele era o líder do núcleo ligado aos envios de droga e coordenado pelos irmãos Levi e Rodrigo Felício, ambos membros da “sintonia do progresso” do PCC no interior de São Paulo, mais especificamente na cidade de Limeira.
Outro a ser identificado pelo velejador às autoridades americanas foi Marco Aurélio Souza, o “Lelinho”. Pereira disse à DEA que foi apresentado a Lelinho por Leandro Cordasso, quem o procurou entre abril e maio de 2022 em Ilhabela.
Em junho daquele ano, após acerto com Lelinho, Pereira recebeu uma carga de drogas e um telefone satelital para que levasse a carga de São Sebastião, no litoral paulista, para a Espanha em um barco chamado Vela 1.
Flávio entregou a carga de drogas em águas internacionais a uma embarcação maior, mas a empreitada não deu certo. A cocaína foi apreendida pela Guarda Civil Espanhola em 28 de julho daquele ano.
Para a PF, Marco Aurélio Souza, o “Lelinho” era o principal articulador do esquema. Membro do PCC na Baixada Santista, ele demonstra proximidade com a facção. Em diálogos com parceiros na empreitada criminosa, ameaça chamar a “disciplina” do PCC para resolver dívidas.
Os investigadores também afirmam que, apesar de não constar no quadro social, ele era o verdadeiro dono da empresa Jacksupply Assessoria de Bordo e Comércio Exterior Ltda. No endereço da Jacksupply, porém, a PF descobriu que funcionava de fato uma empresa de Lelinho, a Máximo Serviços Marítimos.
Os telefones satelitais entregues por Lelinho a Pereira — além de outros aparelhos apreendidos com tripulantes de embarcações envolvidas nos envios de drogas à África e à Europa — estavam registrados na Jacksupply.
Telefones satelitais relacionam outras apreensões ao esquema
Telefones da Jacksupply também apareciam em outras apreensões investigadas pela Polícia Federal. Foi o caso, por exemplo, da embarcação Eros/Daina, um barco pesqueiro apreendido na costa do oeste da África em setembro de 2023 pela Marinha Francesa.
Quando os militares franceses entraram na embarcação, encontraram 2,4 toneladas de cocaína e cinco tripulantes brasileiros. Segundo a PF, o barco foi carregado em Barra de Cananeia, no litoral de São Paulo, e o envio também estaria sendo coordenado pelo grupo ligado a Lelinho.
Um telefone da Jacksupply também apareceu na apreensão da embarcação Batuta IV, utilizada, segundo a Polícia Federal, para o transporte de mais de duas toneladas de cocaína para a Europa.
A Polícia Federal agora investiga a relação entre esses diferentes núcleos, os receptadores da cocaína nos outros continentes e os criminosos brasileiros.
Outro lado
O advogado Áureo Tupinambá, responsável pela defesa de Marco Aurélio Souza, o Lelinho, afirmou em entrevista à RECORD que “houve um engano na operação da Polícia Federal”.
“Marco Aurélio é um empresário do ramo marítimo. A operação é confusa e vai ficar provado que houve um engano da Polícia Federal. Acredito que ele sará ao final da prisão temporária”, afirmou.
Tupinambá também negou qualquer vínculo de Marco Aurélio com a empresa Jacksupply, com o PCC e com o esquema de envio de cocaína investigado na Operação Narco Vela.
“Todos os processos que ele respondeu, ele foi absolvido”, disse, referindo-se a duas ações por tráfico de drogas, em 2014 e 2015.
A reportagem entrou em contato com a defesa do Cordasso mas não obteve retorno até a publicação deste texto. Quanto à defesa do velejador Flávio Fontes, consta no processo que ele ainda não possui um advogado. A reportagem será atualizada caso eles se posicionem.
Fonte R7