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Por que acordamos por volta das 3h da manhã e ficamos remoendo nossos medos e falhas?

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Acordar no meio da madrugada e ser tomado por pensamentos negativos é uma experiência comum — e a ciência explica por que isso acontece e como lidar com essas horas de angústia

Quando acordo por volta das 3h da manhã, costumo começar a implicar comigo mesma. E sei que não sou a única. Uma amiga minha chama esses pensamentos das 3h da manhã de “pensamentos arame farpado”, porque você pode ficar preso neles.

Os pensamentos costumam ser angustiantes e punitivos. O mais impressionante é que essas preocupações evaporam com a luz do dia, provando que o pensamento das 3h da manhã era completamente irracional e improdutivo.

Então, o que está acontecendo?

Sou pesquisadora em psicologia, com especialidade em humor, sono e no sistema circadiano (o relógio interno que regula o sono). Eis o que as pesquisas dizem sobre o que pode estar por trás dessa experiência comum.

O que está acontecendo no seu corpo às 3h da manhã?

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Durante uma noite normal de sono, nossa neurobiologia atinge um ponto de virada por volta das 3h ou 4h da manhã.

A temperatura corporal central começa a subir, a pressão do sono diminui (porque já dormimos um bom tempo), a secreção de melatonina (o hormônio do sono) atinge o pico e os níveis de cortisol (um hormônio do estresse) aumentam à medida que o corpo se prepara para nos lançar no novo dia.

Notavelmente, toda essa atividade acontece independentemente de sinais do ambiente, como a luz do amanhecer — a natureza decidiu há muito tempo que o nascer e o pôr do sol são tão importantes que precisam ser previstos (daí o sistema circadiano).

Na verdade, acordamos muitas vezes durante a noite, e o sono leve é mais comum na segunda metade da noite. Quando o sono vai bem, não temos consciência desses despertares. Mas, com um pouco de estresse, há uma boa chance de que o despertar se torne um estado de plena consciência.

Não é surpresa que haja evidências de que a pandemia foi um fator de estresse que atrapalhou o sono. Então, se você está passando por despertares às 3h da manhã, com certeza não está sozinho.

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O estresse também afeta o sono na insônia, quando as pessoas se tornam hiperalertas ao fato de estarem acordadas.

A preocupação de estar acordado quando “deveria” estar dormindo pode fazer com que a pessoa se jogue num estado ansioso de vigília sempre que passa por uma fase de sono leve.

Se isso soa familiar, saiba que a insônia responde bem ao tratamento psicológico com terapia cognitivo-comportamental. Há também uma forte ligação entre sono e depressão, então é importante conversar com seu médico se você tiver qualquer preocupação com o sono.

Catastrofização nas horas mortas

Como terapeuta cognitiva, às vezes brinco que a única coisa boa em acordar às 3h é que isso nos dá um exemplo vívido de catastrofização.

Nesse momento do ciclo do sono, estamos no nosso ponto mais baixo física e cognitivamente. Do ponto de vista da natureza, essa deveria ser uma hora de recuperação física e emocional, então é compreensível que nossos recursos internos estejam baixos.

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Mas também nos faltam outros recursos no meio da noite — conexões sociais, recursos culturais, todas as habilidades de enfrentamento da vida adulta estão indisponíveis nesse momento. Sem nenhuma das nossas ferramentas humanas e capital emocional, ficamos sozinhos no escuro com nossos pensamentos. Então a mente está parcialmente certa ao concluir que os problemas que ela gera são insolúveis — às 3h da manhã, a maioria dos problemas literalmente seria mesmo.

Depois que o sol nasce, estamos ouvindo rádio, comendo torrada com Vegemite e tirando o gato da bancada, e nossos problemas das 3h da manhã parecem menores. Mal conseguimos acreditar que a solução — ligar para alguém, adiar algo, verificar tal coisa — nos escapou durante a madrugada.

A verdade é que nossa mente não está realmente buscando uma solução às 3h. Podemos pensar que estamos resolvendo problemas mentalmente nesse horário, mas isso não é realmente resolução de problemas; é o gêmeo maligno da resolução de problemas — a preocupação.

Preocupar-se é identificar um problema, ruminar sobre o pior resultado possível e negligenciar os recursos que teríamos caso o desfecho indesejado realmente ocorresse.

Então, o que podemos fazer a respeito?

Você já reparou que os pensamentos das 3h da manhã são muito autocentrados? No silêncio e na escuridão, é fácil escorregar sem perceber para um estado de egocentrismo extremo. Girando em torno do conceito de “eu”, podemos gerar sentimentos dolorosos voltados para o passado, como culpa ou arrependimento. Ou podemos voltar nossos pensamentos cansados para o futuro sempre incerto, gerando medos infundados.

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O budismo tem uma posição forte sobre esse tipo de atividade mental: o eu é uma ficção, e essa ficção é a fonte de todo sofrimento. Muitos de nós hoje praticamos o mindfulness com base no budismo para lidar com o estresse durante o dia; eu uso o mindfulness para lidar com os despertares das 3h.

Trago minha atenção para os meus sentidos, especificamente para o som da minha respiração. Quando percebo que os pensamentos surgem, trago gentilmente minha atenção de volta para o som da respiração (dica: tampões de ouvido ajudam a ouvir a respiração e a sair da própria cabeça).

Às vezes essa meditação funciona. Às vezes não. Se ainda estou presa em pensamentos negativos depois de 15 ou 20 minutos, sigo o conselho da terapia cognitivo-comportamental: levanto, acendo uma luz fraca e leio.

Essa ação pode parecer mundana, mas às 3h da manhã é um gesto de autocompaixão poderoso, e pode ajudar a nos tirar do ciclo de pensamentos improdutivos.

Uma última dica: é importante convencer a si mesmo (durante o dia) de que você quer evitar pensamentos catastróficos. Para bons motivos para não se preocupar, nada melhor que os filósofos estóicos.

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Acordar e se preocupar às 3h da manhã é algo totalmente compreensível e humano. Mas, na minha opinião, não é um bom hábito para cultivar.

* Greg Murray é Professor e Diretor do Centro de Saúde Mental na Universidade de Tecnologia de Swinburne.

* Este artigo foi republicado de The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.

Fonte Globo

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