Entretenimento
Glória Perez: ‘As pessoas podem ser recuperadas. Mas isso não inclui psicopatas’
Quase 30 anos após o assassinato da filha, Daniella Perez, a autora de novelas diz que ainda não foi capaz de viver o luto. Em entrevista a Marie Claire, lamenta como o caso foi tratado pela mídia na época e comenta as decisões por trás da nova série da HBO: ‘Tatiana Issa me procurou com a ideia de fazer um documentário sem sensacionalismos. Confiei nela’
Passados quase trinta anos do brutal assassinato de Daniella Perez, só agora a história “é contada pela primeira vez”. É o que defende a autora de novelas Glória Perez, mãe da vítima, sobre a série documental Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez, da HBO Max, dirigida por Tatiana Issa e Guto Barra.
Em entrevista por email a Marie Claire, Glória ressente a cobertura midiática dada à morte de sua filha na época, considerada por ela sensacionalista e machista. E afirma que a série é uma forma de tentar “resgatar a pessoa real” de Daniella, que completaria 52 anos na última quinta-feira (11).
O assassinato da jovem atriz em ascensão tomou conta dos noticiários e paralisou o país. Protagonista de uma novela das 20h da Globo, escrita pela própria Glória, Daniella foi morta com perfurações por seu par romântico na ficção, Guilherme de Pádua, e sua então mulher, Paula Peixoto (que na época usava o sobrenome Thomaz).
O depoimento da autora é o fio condutor da história. A produção narra os acontecimentos a partir de autos do processo, e não entrevistou os assassinos. “Para que dar palco para psicopata?”, questiona Glória. Após a trágica morte da filha, a autora trabalhou ativamente para buscar testemunhas e ajudar a elucidar o crime: “Fui porque ninguém estava indo. Mães fazem isso e muito mais”, afirma ela, que diz não ter sido ainda capaz de viver o luto.
Glória cedeu à série as imagens do corpo de Daniella, espancada, perfurada e depois largada em um matagal do Rio de Janeiro. “Concordei que fossem mostradas porque elas fazem parte do processo que condenou os dois. Foi isso que eles fizeram com minha filha”, explica.
MARIE CLAIRE Por que decidiu recontar a história do assassinato de sua filha agora? A ideia da série foi da senhora?
GLORIA PEREZ A história não está sendo recontada: está sendo contada – é a primeira vez que se dá voz aos autos do processo que condenou os dois assassinos por homicídio duplamente qualificado. Não, não foi ideia minha. Tatiana Issa me procurou com a ideia de fazer um documentário sem sensacionalismos. Confiei nela.
MC Você diz na série que, mesmo depois de 30 anos, algo pode acontecer contigo, uma vez que “aquelas punhaladas eram para mim”. Te assusta saber que Guilherme e Paula estão soltos e livres?
GP Me assusta que Paula Peixoto (ex Thomaz) venha tentando se imiscuir no meu meio de trabalho. Todos sabemos do que ela é capaz. Convém manter distância.
MC Ainda sobre a pergunta acima: você acredita que as pessoas podem ser recuperadas? E quanto a Guilherme e Paula?
GP É claro que as pessoas podem ser recuperadas. Mas isso não inclui os psicopatas. Não se tem notícia de psicopata recuperado. E Paula e Guilherme são psicopatas de carteirinha.
MC Você teve um papel muito ativo na época para elucidar o crime, ajudar a encontrar testemunhas, por exemplo. Por que tomou essa iniciativa? Sentiu que a polícia não estava fazendo o trabalho direito?
GP Fui procurar as testemunhas porque ninguém estava indo. Mães fazem isso e muito mais.
MC Acha que ainda há o que esclarecer sobre o crime?
GP Não. Não há mais nada essencial a esclarecer. O processo está julgado e transitado em julgado.
MC Após a morte de Daniella, a senhora logo voltou ao trabalho como autora da novela, segundo você mesma, como uma forma de lidar com o luto. De que forma o trabalho te ajudou nesse momento? E como essa experiência traumática impactou o seu trabalho dali em diante?
GP O vínculo com o real é essencial para que se possa suportar momentos assim. Meus colegas Janete Clair e Manoel Carlos perderam filhos também durante um trabalho e foi como conseguiram sobreviver.
MC A senhora escreveu sobre essa vivência do luto e da perda ou se inspirou nela para escrever em algum trabalho posterior?
GP Não, até porque nesses trinta anos ainda não consegui viver o luto.
MC Li declarações da senhora dizendo que a cobertura que foi feita pela imprensa na época sobre a morte de Daniela foi machista. De que forma foi machista?
GP Quando cedeu à tentação do sensacionalismo, tratando um assassinato brutal como se fosse novela, quando deu palco para que o criminoso exercesse seu exibicionismo produzindo um festival de versões onde tratava de culpabilizar a vítima e vai por aí.
MC A senhora acha que a imprensa continua sendo machista ao cobrir violência contra a mulher?
GP Já é um grande avanço que esteja se questionando isso.
MC Há uma versão de que o casal teria assassinado Daniella por ciúmes da parte de Paula, e pelo fato de que Guilherme estaria perdendo espaço na novela. Há também a hipótese de que tenha sido parte de um ato ritualístico, de uma seita à qual pertenciam. Qual a visão da senhora sobre a motivação do crime?
GP O que ficou provado no Tribunal do Júri – e traduzido na sentença do juiz – é que a motivação do casal de assassinos foi a ganância, a inveja, a vingança.
MC Qual era a relação da senhora com Guilherme?
GP Literalmente nenhuma. Não o conhecia.
MC Qual a impressão que tinha dele?
GP Um ator medíocre, limitado, que havia feito papéis pequenos em outras produções da Globo. A pessoa eu só vim a conhecer depois do crime, quando busquei saber quem eram os dois assassinos.
MC Se não me engano, apesar de morto, o pai da Daniella não aparece no documentário, nem representado por imagens de arquivo. Pode nos contar por quê?
GP A seleção de fotos não foi feita por mim: apenas cedi os álbuns de família para a Tatiana e o Guto. Luis Carlos era muito ligado a Daniella e o câncer que o vitimou foi consequência direta do crime. Ele fechou-se na sua dor, implodiu.
MC A senhora disse ao UOL que ‘Não é feminicídio. Ela foi morta porque era minha filha’. Isso significa que o fato de Daniella ser uma mulher não importou para o desfecho de sua história?
GP Para o assassinato, não. A motivação dos dois é muito clara: redução de personagem, inveja, vingança. O fato de ser mulher importou para o tratamento que a imprensa deu ao assassinato. Como bem diz meu filho: se um homem é encontrado espancado e apunhalado 18 vezes num local de desova, a pergunta é: quem jogou ele lá? Quando se trata de uma mulher, não falta quem especule: o que ela foi fazer lá?
MC A senhora escolheu não omitir as imagens do corpo de sua filha na série. Elas são exibidas com uma certa frequência. Por quê? Qual é a mensagem que quis passar com essa escolha?
GP Cedi as imagens e concordei que fossem mostradas porque elas fazem parte do processo que condenou os dois. Foi isso que eles fizeram com minha filha. Agora sobre a quantidade de vezes que elas foram usadas, você tem que perguntar a Tatiana e ao Guto. Eu apenas cedi as imagens.
MC Os assassinos não tiveram espaço de fala na série. Quem decidiu sobre isso? Eles procuraram a produção da série? Por que foi importante não ouví-los?
GP O que eles disseram para se defender, antes e durante o julgamento, está na série. Ouvi-los agora para quê? Para perguntar como estão passando? Não faz sentido dar palco a psicopata.
MC A série estourou, e tem tido muito sucesso. Como tem sido acompanhar a repercussão? A opinião pública se mostra diferente agora?
GP A opinião pública sempre foi solidária a Daniella, a nossa família. Tanto é que, em apenas 3 meses, numa época sem internet, conseguimos 1.300.000 assinaturas para mudar a lei. O que mudou é que o documentário tirou o crime do terreno da ficção e devolveu ao real. As pessoas puderam entender o que antes ficava confuso.
MC Publicar a série agora também é uma forma de tentar fazer justiça à Daniella?
GP Sim, é resgatar a pessoa real.
MC Por último, como se sentiu depois que assistiu a série?
GP Triste, mas certa de que valeu a pena ter confiado na Tatiana e no Guto.
Fonte Marie Claire