Internacional
Mais venezuelanos prometem deixar o país se Maduro vencer as eleições
Dados da ONU indicam que cerca de 25% da população da Venezuela já migrou para o exterior
Uma jovem ativista de oposição que planeja atravessar sete países e um trecho perigoso de selva a pé para chegar aos EUA. Um jornalista pronto para abandonar tudo e construir vida nova no exterior. Uma advogada sexagenária com medo de que a última filha esteja prestes a partir.
Para milhares de venezuelanos, a decisão de ir embora ou não depende de uma única data: 28 de julho, dia em que o país irá às urnas para definir uma eleição presidencial de alto risco. Se Nicolás Maduro, líder autoritário atual, declarar vitória, eles dizem que não ficam; se o candidato da oposição levar a melhor, permanecerão. “Todo mundo está dizendo a mesma coisa, que se Maduro ganhar a debandada vai ser geral”, conta Leonela Colmenares, a militante de 28 anos.
Na verdade, segundo a ONU, cerca de 25% da população já partiu: são quase oito milhões vivendo no exterior, gerando com isso uma das maiores crises migratórias do mundo.
Até agora, Maduro mostrou pouco interesse em deixar o poder, independentemente do resultado do pleito. Chegou mesmo a alertar, em comício promovido dias atrás, que a Venezuela mergulhará “em um banho de sangue, em uma guerra civil fratricida” se ele não ganhar.
Há vários anos, esse exílio venezuelano separa familiares e rouba os talentos do país, além de representar um desafio imenso para Joe Biden, que teve de lidar com níveis recordes de imigração durante seu governo – ainda que, devido às iniciativas que implantou para desencorajar os pedidos de asilo na fronteira meridional, as entradas ilegais tenham caído ao longo dos últimos meses.
Entretanto, agosto, setembro e outubro já tradicionalmente representam os meses mais movimentados na Região de Darién, perigoso trecho de selva entre a Colômbia e o Panamá que se tornou uma das rotas migratórias mais movimentadas do mundo. É claro que nem todos os venezuelanos irão para os EUA, e nem todos que chegam ao país o fazem pela fronteira do sul, mas qualquer aumento significativo no número de estrangeiros será um teste e tanto para os democratas antes da eleição.
Os venezuelanos que chegaram às terras norte-americanas nos últimos anos lotam os abrigos de Nova York e comprometem o orçamento de cidades como Denver, mas a saída em massa vem sendo mais sentida na própria Venezuela, que continua perdendo professores, médicos e engenheiros, sem contar os familiares que se espalharam pelo mundo.
Alguns que ficaram decidiram não sair porque acharam que poderiam promover mudanças ou ajudar a nação; agora, depois de anos de protestos, um governo autocrata inflexível e vários líderes oposicionistas que prometeram derrotar Maduro sem sucesso, eles dizem que esta eleição é sua última esperança.
Prisão de dissidentes
Não é só a crise econômica arrasadora – agravada pela má administração do governo e exacerbada pelas sanções norte-americanas – que vem durando há mais de uma década. De uns meses para cá, o governo também tem aumentado as detenções de pessoas vistas como dissidentes, gerando temores de que a perseguição só faça aumentar se Maduro continuar no poder. Segundo o grupo de monitoramento Criminal Forum, há quase 300 prisioneiros políticos nas mãos das autoridades. “Fiz tudo o que podia pelo meu país, não tenho condições de ser preso por fazer meu trabalho”, desabafa Jesús Zambrano, jornalista de 32 anos que está pensando em se mudar para a Alemanha.
Uma pesquisa feita pela empresa ORC Consultants em junho sugere que até um terço dos venezuelanos está pensando na possibilidade de partir se o governo atual permanecer no poder; destes, metade disse que o faria até seis meses depois da eleição de 28 de julho. Já os analistas duvidam que o êxodo seja tão grande ou ocorra tão rapidamente; de qualquer forma, a imigração é uma questão que vai além dos limites socioeconômicos e políticos, unindo um povo separado pela distância em um desejo coletivo de reunificação. E se tornou um dos temas principais da eleição deste mês.
A grande líder oposicionista é María Corina Machado, ex-parlamentar cuja principal mensagem é a promessa de permitir que os venezuelanos voltem para casa, restaurando a democracia e recolocando a economia nos eixos. “Esta luta é para que vocês voltem!”, gritou ela em um comício na cidade de Maturín, onde uma mulher no meio da multidão ficou o tempo todo com o braço erguido e o celular na mão para que a filha, que vive em um país distante, pudesse ouvir.
Acontece que Machado foi proibida de disputar a eleição e, por isso, seu nome não está na cédula; sua coalizão optou por um representante na chapa, Edmundo González. Mesmo assim, ela sai em campanha pelo ex-diplomata, em eventos nos quais investe em uma presença quase religiosa, geralmente vestida de branco, com um crucifixo à volta do pescoço, abraçando os apoiadores que não param de repetir seu nome aonde quer que vá. A chapa oposicionista investe em vídeos que mostram venezuelanos emocionados, desesperados por uma vitória da dupla, para poderem ter os familiares de volta. “Foram todos embora! Todos meus parentes!”, gritou uma jovem para a câmera em um evento político recente, a voz trêmula carregada de tristeza. “Onde estão?”, perguntou o cinegrafista. “Nos EUA, no Peru, no Equador, na Colômbia… Estou cansada disso”, ela desabafou, engolindo o choro.
De uns anos para cá, as fotos de venezuelanos exaustos seguindo a pé pela mata perigosa da Região de Darién para chegar aos EUA começaram a expor os problemas do país para o mundo. Entretanto, há tempos Maduro joga a culpa pela imigração em massa nas sanções impostas por aquele país, sendo as mais severas de 2019, sobre o setor petrolífero. Consciente do sério desafio eleitoral que enfrenta, passou a mencionar a diáspora com mais frequência, não só responsabilizando os norte-americanos como fazendo um apelo para que os conterrâneos voltem para casa.
Em junho, afirmou na TV que um novo programa, chamado A Grandiosa Missão do Retorno à Pátria, oferecerá aos exilados uma “proteção socioeconômica abrangente que só a revolução bolivariana (seu movimento socialista), humanista e cristã, pode proporcionar”. Só que não deu detalhes concretos. “A Venezuela está de volta em grande estilo!”, garantiu.
Possível mudança
Colmenares, a ativista de 28 anos, pede uma mudança de governo desde os 15. Ajudou a fundar um partido chamado Vontade Popular, e passou anos protestando contra tudo, desde os serviços públicos falidos até a prisão de colegas militantes. Começou e parou a faculdade várias vezes, quase sempre por falta de condições de pagar a mensalidade; tentou imigrar para a vizinha Colômbia, onde trabalhou como garçonete e disse que mal ganhava para comer.
Agora é ela que tem de sustentar os pais, ambos com problemas de saúde. Trabalha na administração de uma universidade, vende doces e transformou o carro em táxi informal – e, apesar de tudo isso, não consegue pagar os remédios da mãe.
Como muitos jovens, ela está dedicando toda a sua energia à campanha de González-Machado, mas, se Maduro conquistar mais um mandato de seis anos, pretende voltar à Colômbia, para dali atravessar o Darién, a América Central e o México para chegar à fronteira dos EUA, onde quer pedir asilo. Chegou até a pensar em se inscrever no programa de entrada legal conhecido como “condicional”, mas precisaria ter alguém lá para patrociná-la. “Não tenho ninguém lá que possa me bancar, e, mesmo que tivesse, o pedido pode levar meses, anos, para ser aprovado – ou não ser”, resumiu.
Uma amiga sua, Zuleika Meneses, de 33 anos, também pensa em sair da Venezuela se Maduro permanecer no poder. Outra fundadora do Vontade Popular, é ativista desde os 14. “Não quero ir embora. Na verdade, sonho em entrar para a política, ser deputada, governadora, presidente.”
Não é só a situação econômica que a está forçando a sair; Meneses teme uma repressão mais severa nos próximos meses. Ela recitou o nome de vários companheiros de militância, e concluiu: “Não quero meu nome nessa lista.”
Marisol Ríos, advogada de 62 anos, tem três filhas, sendo que duas já foram embora – uma está nos EUA, a outra na Colômbia. Ela contou que, na casa onde mora, no estado de Táchira, porção ocidental do país, a caçula, María Paulina, de 24 anos, também já começou a pensar na ideia.
O namorado da moça, professor de violino, tocava uma música suave enquanto ela chorava, pensando na possibilidade de passar o resto da vida sem as filhas. “Vai me doer muito se Paulina for embora, porque ela é meu braço direito. Mas não tenho o direito de lhe cortar as asas; ela tem o direito de viver.”
c. 2024 The New York Times Company
Fonte R7