Saúde
Câncer: medicina de precisão é o futuro do combate à doença; entenda
Testes genéticos já determinam qual o tratamento e o remédio mais eficazes para cada caso
Os casos de câncer não param de crescer. No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), aponta para 704 mil casos novos da doença por ano, no Brasil, entre 2023 e 2025. O número é 12,6% maior que no triênio anterior. Até 2050, a previsão é que o número de casos registrados no país dobre, segundo dados do Global Cancer Observatory (Globocan), uma base de dados estatísticos da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, na sigla em inglês). No mundo, o aumento no mesmo período deve ser de 77%.
Para atender todos esses pacientes de forma mais eficaz, médicos e pesquisadores se recorrem à medicina personalizada ou de precisão.
— A medicina sempre foi de certa forma personalizada. Todos os tratamentos têm que ser adaptados à doença e ao paciente. O que está acontecendo agora é que nós temos ferramentas para estudar as doenças e, em particular, para estudar o câncer. E cada vez mais estamos conseguindo entrar na base da doença e entender que não existem cânceres totalmente iguais de uma pessoa para outra — explica Sérgio Roithmann, chefe de Serviço da Oncologia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
No caso do câncer, esse tipo de abordagem leva em consideração a análise genética – do paciente e do tumor -, o ambiente e o estilo de vida do paciente, para proporcionar um tratamento médico adaptado às características individuais de cada pessoa.
— Hoje, a medicina personalizada já é realidade no sentido de que a gente tem uma capacidade diagnóstica muito maior das alterações genéticas que acontecem no tumor e por isso a gente tem novas opções de tratamento direcionadas para essas alterações — avalia Mariana Laloni, diretora médica técnica da Oncoclínicas&Co.
É por isso que há algumas décadas se falava apenas “câncer de mama” ou “câncer de pulmão”, como uma doença única e, atualmente, há uma espécie de subdivisão dos tumores de acordo com as mutações ou alterações responsáveis pelo desenvolvimento e crescimento desses cânceres e para as quais já existem medicamentos específicos.
Segundo Roithmann, os melhores exemplos que a gente tem hoje é no tratamento de câncer de pulmão, no melanoma, nas leucemias, no câncer de intestino e no câncer de mama.
— Em todos esses tumores, sabemos encontrar algumas alterações que são específicas daquele tumor e que vão me dar uma arma terapêutica que a gente chama de uma terapia alvo, dirigida, para aquele tumor— explica.
Por exemplo, no câncer de pulmão em não fumantes, uma das mutações mais comuns é no EGFR. No câncer de mama, a mutação no gene PI3K leva o tumor a uma proliferação mais exacerbada, a responder menos aos tratamentos e a piores desfechos de sobrevida nos pacientes.
Descobrir essas mutações é importante para escolher tratamentos que deverão produzir melhores resultados para aquele indivíduo, com o mínimo de efeitos colaterais.
— Em geral, você prolonga o controle da doença e a sobrevida, com uma melhor tolerância, o que melhora a qualidade de vida do paciente — diz a oncologista Debora Gagliato, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e integrante do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer. — É um jeito muito mais inteligente de oferecer o tratamento porque eu vou tratar aquele indivíduo que tem alteração.
Apesar dos benefícios da medicina de precisão, especialistas são categóricos em dizer que estratégias clássicas de tratamento, como quimioterapia, radioterapia, bloquieos hormonais e cirurgia, ainda são – e continuarão sendo – armas importantes no combate ao câncer, em especial para os casos iniciais.
— As terapias-alvo e a imunoterapia estão trazendo mais opções, mas elas certamente não eliminam os tratamentos mais convencionais. O que estamos fazendo hoje é associando tratamentos para que eles fiquem mais eficazes — diz Roithmann.
Além do tratamento, a medicina de precisão é uma aliada da prevenção, em especial para no que diz respeito à detecção de cânceres hereditários em família de alto risco. Existem mutações que que aumentam consideravelmente o risco de câncer. Talvez o exemplo mais emblemático disso seja a mutação do gene BRCA, embora atualmente já existam outras que podem ser detectadas dessa forma.
Para quem não se lembra, há cerca de uma década, a atriz Angelina Jolie anunciou que retirou as mamas e os ovários para prevenir a doença após descobrir que era portadora de uma mutação no gene BRCA, que aumenta o risco de câncer em diversos órgãos. Jolie realizou o teste genético, pois perdeu a mãe, a avó e uma tia para o câncer.
Quando esse tipo de mutação é detectada, é possível fazer uma terapia preventiva ou então acompanhar esses indivíduos mais de perto, por meio de exames de rastreio mais frequentes, por exemplo.
No entanto, esse tipo de análise exige a realização de testes genéticos que não estão amplamente acessíveis. Embora o preço já tenha caído muito nos últimos anos, o custo ainda é elevado de R$ 2.000 a R$ 9.000 reais. Em geral, o sequenciamento demora cerca de três semanas para ficar pronto.
— Os preços estão caindo muito rapidamente e hoje muitos laboratórios brasileiros também fazem esse tipo de trabalho. À medida que diagnósticos e tratamentos efetivamente vão mudando a história das doenças, isso vai se tornando mais acessível — avalia Roithmann.
Ele também acredita que é possível a incorporação desses testes ao SUS. Atualmente, pacientes do Inca encaminhadas à Divisão de Genética já podem realizar o sequenciamento dos genes BRCA1 e BRCA2 gratuitamente. A expectativa é que no futuro, o sequenciamento de outros genes esteja disponível.
Outro caminho é com as próprias fabricantes de terapias-alvo. Muitas indústrias oferecem sem custo para o paciente o teste genético que investiga a existência da mutação que pode ser tratada com o medicamento que produzem.
O arsenal de tratamento da terapia de precisão conta com as terapias-alvo, os anticorpos monoclonais, que são drogas desenhadas para combater algumas proteínas que existem no tumor. Mais recentemente, as CAR-T cells, também podem ser consideradas parte da medicina personalizada.
Para o futuro, há grande expectativa. Não só para o desenvolvimento de novas estratégias, como as vacinas individualizadas contra câncer, mas também de novos medicamentos.
— Cada vez mais alvos estão sendo descobertos, com drogas específicas. Dos alvos que a gente já conhece, que já vimos que tem muito sucesso sendo inibidos, a nova geração dos remédios vem com menos toxicidade — diz Gagliato.
Outra frente onde a medicina de precisão pode atuar é ajudar a encontrar os mecanismos de resistência dos tumores aos medicamentos, o que faz com que alguns cânceres respondam inicialmente, mas a doença acaba progredindo após algum tempo. Encontrar esses mecanismos possibilita o desenvolvimento de tratamentos mais efetivos e mais definitivos.
Por fim, esse tipo de estratégia ainda pode ter um grande impacto no diagnóstico do câncer, mais especificamente, no rastreio, com o desenvolvimento de testes sanguíneos que detectam alterações cancerosas ainda mais precoces do que os testes de imagem disponíveis atualmente, como mamografia e colonoscopia.
— A medicina personalizada só tende a crescer. É um desenvolvimento na medicina sem retorno — conclui Laloni.
Fonte O Globo