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Covid pode disparar anticorpos que causam trombose e complicações, diz estudo de SP

Foto: Governo do Estado de São Paulo
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Pesquisa da USP aponta que idosos são mais suscetíveis à infecção e o que leva a associação dos casos graves a distúrbios

Estudo publicado nesta quinta-feira (24/08) em revista do grupo Nature, revela que a infecção causada pelo vírus SARS-CoV-2 pode disparar a produção de autoanticorpos – moléculas relacionadas, entre outros fatores, às doenças autoimunes. O achado explica por que os idosos tendem a ser mais suscetíveis à COVID-19 e o motivo de a forma grave da doença estar relacionada com distúrbios de coagulação sanguínea, como trombose.

“A descoberta abre caminho para entendermos uma série de eventos patológicos decorrentes da COVID-19, que vão desde a perda de memória até a morte súbita por trombose de maior dimensão. A hiperinflamação característica da COVID-19 grave e o aumento dos autoanticorpos geram o trombo e, por consequência, a necessidade de reconstruir tecido e de recrutar uma cascata de coagulação. Trombose e inflamação são dois eventos imunológicos intimamente ligados e o nosso estudo é mais um a confirmar essa importante relação”, afirma Otávio Cabral-Marques, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e coordenador do estudo, que contou com apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e colaboração de grupos de pesquisa alemães e norte-americanos.

Outro aspecto interessante do estudo, segundo Cabral-Marques, é que a elevação dos níveis de autoanticorpos (anticorpos que reconhecem uma ou mais proteínas do próprio indivíduo, podendo causar danos ao organismo) observada em pacientes com COVID-19 grave pode eventualmente valer para outras patologias.

“Não se trata de uma exclusividade do SARS-CoV-2, outros patógenos também podem elevar os níveis de autoanticorpos. Isso faz com que essas moléculas se tornem marcadores ou alvos terapêuticos relevantes para salvar vidas de pacientes que estejam com sepse, por exemplo, em um estágio quase terminal”, diz o pesquisador.

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores analisaram dados referentes a autoanticorpos de 159 pacientes com COVID-19 que apresentavam diferentes graus de gravidade: 71 tinham doença leve, 61 moderada e 27 grave. Também foram analisadas amostras de 73 indivíduos saudáveis, que serviram como controle.

“Ao cruzar os dados por meio de técnicas de inteligência artificial, descobrimos dois autoanticorpos principais que estavam exacerbados nos pacientes com sintomas graves. São justamente os autoanticorpos associados à formação de trombos e trombocitopenia [número reduzido de plaquetas no sangue, condição que aumenta o risco de hemorragia]”, conta Dennyson Leandro M. Fonseca, coautor do artigo.

Fonseca explica que altos níveis desses autoanticorpos podem fazer com que o próprio organismo gere o dano tecidual a partir de trombos e de netose (mecanismo imunológico que consiste na saída do material genético presente no núcleo de neutrófilos, um tipo de leucócito, em forma de redes, que são lançadas pelas células de defesa para o meio extracelular na tentativa de prender e matar patógenos).

“Dividimos os dados entre jovens e idosos e, com isso, observamos que, embora esse mecanismo também possa acontecer entre pessoas com menos de 50 anos, ele torna o idoso mais suscetível ao agravo da doença. Isso justifica o fato de a idade ser um dos principais fatores de risco para a COVID-19”, diz o pesquisador.

Vale destacar que o aumento sutil de autoanticorpos faz parte do processo natural de envelhecimento. No entanto, os cientistas observaram que, diante da infecção pelo SARS-CoV-2, há uma exacerbação dos níveis dessas moléculas no organismo, sobretudo em pacientes graves.

Estudos anteriores já haviam demonstrado que autoanticorpos neutralizantes de proteínas que integram a primeira linha de defesa antiviral (interferon) estavam presentes na população em geral e cresciam dramaticamente em pacientes idosos com COVID-19. O estudo agora publicado na revista da Nature expande a variedade de autoanticorpos associados ao envelhecimento. Além disso, confirma que o impacto dos autoanticorpos varia de acordo com a idade e a gravidade da COVID-19.

O grupo descobriu que os pacientes com COVID-19 têm um aumento significativo, e associado à idade, dos níveis de autoanticorpos contra 16 alvos, como, por exemplo, peptídeo β amiloide, β catenina, cardiolipina, claudina, nervo entérico, fibulina, receptor de insulina A e glicoproteína plaquetária.

“Isso abre caminho para a validação dos mecanismos de ação dos autoanticorpos e amplia o conjunto de alvos, fornecendo uma imagem mais abrangente da fisiopatologia e da progressão da COVID-19 em relação ao envelhecimento avançado. Isso permite direcionar melhor as intervenções necessárias”, avalia Cabral-Marques.

Problema sistêmico

Já se sabe que pacientes com COVID-19 grave desenvolvem danos profundos nos órgãos devido a uma combinação de várias respostas autoinflamatórias e autoimunes. Esse processo pode resultar em miopatia (músculos), vasculite (vasos sanguíneos), artrite (articulações), síndrome antifosfolipídica associada a trombose venosa profunda, embolia pulmonar e acidente vascular cerebral, bem como lesões nos rins e no sistema neurológico.

Além disso, a desregulação imunológica é uma característica da síndrome pós-COVID, podendo causar sintomas heterogêneos, como fadiga, disfunção vascular, síndromes de dor, manifestações neurológicas e síndromes neuropsiquiátricas.

A mais conhecida das respostas inflamatórias associadas à COVID-19 é a chamada “tempestade de citocinas”, que consiste, basicamente, na liberação aumentada de moléculas responsáveis por avisar o sistema imune sobre a necessidade de enviar mais células de defesa ao local da infecção (citocinas), desencadeando uma resposta inflamatória exacerbada e a desregulação de outros sistemas de sinalização. Fora a tempestade de citocinas, há também a hiperativação de macrófagos – células que promovem a produção de autoanticorpos.

O que vem primeiro?

Os autores do artigo ainda não estão certos sobre o que vem primeiro: o agravo da COVID-19 ou o aumento dos níveis de autoanticorpos. “Analisamos esses dois sentidos em termos estatísticos e acreditamos que os dois eventos ocorrem de forma mútua e bidirecional. Os autoanticorpos, em conjunto com outras moléculas imunes, podem interagir em uma rede altamente complexa subjacente a processos imunopatológicos em pacientes com COVID-19 grave ou podem ser potencializados por condições de saúde associadas ao envelhecimento e levar ao desenvolvimento de doença grave”, explica Fonseca.

O pesquisador ressalta que a forma grave da infecção promove no organismo um ambiente com lesão tecidual (síndrome do desconforto respiratório agudo), tempestade de citocinas e hiperativação de macrófagos que viabiliza a produção de autoanticorpos. Por outro lado, o contexto da doença pode permitir que os autoanticorpos atuem sinergicamente com múltiplos metabólitos, citocinas e quimiocinas – naturalmente desregulados em pacientes idosos –, além do progressivo declínio da função imunológica causado pela idade, resultando no aumento da suscetibilidade a infecções e doenças autoimunes.

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