Conecte-se Conosco

Internacional

DNA do “Homem Dragão” revela rosto de grupo misterioso de humanos antigos

foto: Divulgação
Compartilhe essa notícia:

Fóssil pode ser peça-chave para enigma sobre evolução humana

Um crânio enigmático, recuperado do fundo de um poço no nordeste da China em 2018, despertou grande interesse ao não corresponder a nenhuma espécie conhecida de humanos pré-históricos. Agora, cientistas afirmam ter encontrado evidências de onde esse fóssil se encaixa – e ele pode ser uma peça-chave em mais um enigma da evolução humana.

Após várias tentativas frustradas, os pesquisadores conseguiram extrair material genético do crânio fossilizado — apelidado de “Homem Dragão” — ligando-o a um grupo enigmático de humanos primitivos conhecido como denisovanos. Até então, apenas uma dúzia de fragmentos ósseos fossilizados de denisovanos haviam sido encontrados e identificados por meio de DNA antigo. No entanto, o tamanho reduzido desses fragmentos oferecia poucas pistas sobre a aparência dessa população misteriosa de antigos hominídeos, que até hoje não recebeu um nome científico oficial.

Os cientistas geralmente consideram os crânios — com suas saliências e cristas características — o tipo de fóssil mais valioso para entender a forma ou a aparência de uma espécie extinta de hominídeo. As novas descobertas, se confirmadas, podem finalmente dar um rosto ao nome denisovano.

“Sinto realmente que conseguimos esclarecer parte do mistério em torno dessa população”, disse Qiaomei Fu, professora do Instituto de Paleontologia e Paleoantropologia da Academia Chinesa de Ciências, em Pequim, e autora principal da nova pesquisa. “Depois de 15 anos, conhecemos o primeiro crânio denisovano.”

Os denisovanos foram descobertos pela primeira vez em 2010 por uma equipe que incluía Fu — na época uma jovem pesquisadora no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig, na Alemanha — a partir de DNA antigo extraído de um fragmento de dedo mínimo encontrado na Caverna Denisova, nas Montanhas Altai, na Rússia. Restos adicionais escavados na mesma caverna — que deu nome ao grupo — e em outros locais da Ásia continuam a completar, pouco a pouco, o ainda incompleto retrato desse grupo.

Propaganda

A nova pesquisa, descrita em dois artigos científicos publicados nesta quarta-feira (18), será “definitivamente um dos maiores, senão o maior, trabalho de paleoantropologia do ano”, e vai gerar debates na área “por um bom tempo”, disse Ryan McRae, paleoantropólogo do Museu Nacional de História Natural Smithsonian, em Washington, DC, que não participou dos estudos.

As descobertas podem ajudar a preencher lacunas sobre uma época em que o Homo sapiens não era a única espécie humana vagando pelo planeta — e ensinar mais aos cientistas sobre os humanos modernos. Nossa espécie conviveu por dezenas de milhares de anos e chegou a cruzar geneticamente com tanto os denisovanos quanto os neandertais, antes que ambos desaparecessem. A maioria dos humanos hoje carrega um legado genético desses encontros ancestrais. Fósseis de neandertais vêm sendo estudados há mais de um século, mas ainda se sabe muito pouco sobre nossos enigmáticos primos denisovanos — e um crânio fossilizado pode revelar muito.

De longa data

Um operário da cidade de Harbin, no nordeste da China, descobriu o crânio do Homem Dragão em 1933. O homem, que trabalhava na construção de uma ponte sobre o rio Songhua, durante o período em que a região estava sob ocupação japonesa, levou o espécime para casa e o escondeu no fundo de um poço para mantê-lo seguro.

Ele nunca recuperou seu “tesouro”, e o crânio — ainda com um dente preso na arcada superior — permaneceu desconhecido da ciência por décadas, até que seus familiares souberam da existência do fóssil, pouco antes de sua morte. A família então doou a peça à Universidade GEO de Hebei, e pesquisadores o descreveram pela primeira vez em um conjunto de estudos publicados em 2021, que dataram o crânio com pelo menos 146 mil anos de idade.

Na época, os pesquisadores argumentaram que o fóssil merecia ser classificado como uma nova espécie, dada a natureza única do crânio, batizando-o de Homo longi — nome derivado de Heilongjiang, ou “Rio do Dragão Negro”, província onde o crânio foi encontrado. Alguns especialistas, porém, levantaram a hipótese de que o crânio pudesse ser denisovano, enquanto outros o agruparam com uma série de fósseis difíceis de classificar encontrados na China, o que gerou intenso debate e tornou os dados moleculares desse fóssil especialmente valiosos.

Propaganda

Dado a idade e a história do crânio, Fu disse que já esperava que seria um grande desafio extrair DNA antigo do fóssil para entender melhor sua posição na árvore genealógica humana. “Existem apenas ossos de quatro sítios no mundo com mais de 100 mil anos que têm DNA antigo recuperado”, destacou ela por e-mail.

Fu e seus colegas tentaram extrair DNA antigo de seis amostras retiradas do dente preservado do Homem Dragão e do osso petroso do crânio — uma porção densa na base do crânio que costuma ser uma fonte rica de DNA em fósseis — mas sem sucesso.

A equipe também tentou recuperar material genético a partir do cálculo dental — a camada endurecida de resíduos que se forma nos dentes ao longo do tempo e pode preservar DNA da boca. Foi desse processo que os pesquisadores conseguiram recuperar DNA mitocondrial, que é menos detalhado que o DNA nuclear, mas revelou uma ligação entre a amostra e o genoma conhecido dos denisovanos, segundo um dos novos artigos publicados na revista Cell.

“O DNA mitocondrial representa apenas uma pequena parte do genoma total, mas pode nos contar muita coisa. As limitações estão no seu tamanho relativamente pequeno em comparação com o DNA nuclear e no fato de que ele só é herdado pela linha materna, não dos dois pais biológicos”, explicou McRae.

“Por isso, sem o DNA nuclear, poderia ser levantada a hipótese de que esse indivíduo fosse um híbrido com uma mãe denisovana, mas eu acho que esse cenário é bem menos provável do que a possibilidade de o fóssil pertencer a um denisovano completo”, acrescentou ele.

Propaganda

Evidências Crescentes

A equipe também conseguiu recuperar fragmentos de proteínas das amostras do osso petroso, cuja análise também sugeriu que o crânio do Homem Dragão pertencia a uma população denisovana, segundo um outro estudo publicado na revista Science nesta quarta-feira.

Juntas, “essas pesquisas aumentam o peso da identificação do crânio de Harbin como denisovano”, afirmou Fu.

Os dados moleculares apresentados pelos dois artigos são potencialmente muito importantes, disse o antropólogo Chris Stringer, líder de pesquisas sobre as origens humanas no Museu de História Natural de Londres.

“Tenho colaborado com cientistas chineses em novas análises morfológicas de fósseis humanos, incluindo o de Harbin”, afirmou. “Combinado com nossos estudos, esse trabalho torna cada vez mais provável que Harbin seja o fóssil mais completo de um denisovano encontrado até agora.”

No entanto, Xijun Ni, professor do Instituto de Paleontologia e Paleoantropologia de Vertebrados em Pequim, que junto com Stringer trabalhou nas pesquisas iniciais sobre o Homem Dragão (mas não nos estudos mais recentes), disse estar cauteloso quanto aos resultados dos dois novos artigos, principalmente porque alguns dos métodos de extração de DNA usados foram “experimentais”. Ni também achou estranho que o DNA tenha sido recuperado do cálculo dental (material endurecido na superfície do dente) e não de dentro do próprio dente ou do osso petroso, considerando que o cálculo deveria estar mais exposto à contaminação.

Propaganda

Ainda assim, ele acrescentou que acha provável que o crânio e outros fósseis identificados como denisovanos pertençam à mesma espécie humana.

O objetivo de usar uma abordagem de extração diferente foi justamente tentar recuperar o máximo possível de material genético, explicou Fu, acrescentando que a estrutura cristalina densa do cálculo dental pode ajudar a proteger o DNA original contra a degradação.

As assinaturas proteicas recuperadas por Fu e sua equipe indicaram “uma atribuição aos denisovanos, com outras possibilidades sendo muito improváveis”, disse Frido Welker, professor associado de paleoantropologia biomolecular no Instituto Globe da Universidade de Copenhague, na Dinamarca. Welker já recuperou proteínas de denisovanos de outros fósseis candidatos, mas não esteve envolvido neste estudo.

“Com o crânio de Harbin agora ligado aos denisovanos por evidência molecular, uma parte maior do registro fóssil de hominídeos pode ser comparada de forma mais confiável com um espécime denisovano conhecido, com base na morfologia”, acrescentou Welker.

Um Nome e um Rosto para os Denisovanos

Com o crânio do Homem Dragão agora ligado aos denisovanos com base em evidências moleculares, será mais fácil para os paleoantropólogos classificar outros possíveis restos denisovanos encontrados na China e em outras regiões. McRae, Ni e Stringer afirmaram que consideram provável que Homo longi se torne o nome oficial da espécie dos denisovanos, embora outros nomes também tenham sido propostos.

Propaganda

“Renomear todo o conjunto de evidências denisovanas como Homo longi é um passo importante, mas que tem fundamento, já que esse nome científico foi tecnicamente o primeiro a ser agora vinculado a fósseis denisovanos”, disse McRae. No entanto, ele acrescentou que duvida que o nome informal “denisovano” desapareça tão cedo, sugerindo que provavelmente se tornará um apelido popular para a espécie, assim como o termo “neandertal” é para Homo neanderthalensis.

As descobertas também permitem dizer um pouco mais sobre a aparência dos denisovanos, assumindo que o crânio do Homem Dragão seja representativo de um indivíduo típico. Segundo McRae, esse antigo humano provavelmente tinha sobrancelhas muito proeminentes, um cérebro “com tamanho comparável ao dos neandertais e dos humanos modernos”, mas com dentes maiores do que os de ambos os primos. No geral, os denisovanos teriam uma aparência robusta e maciça.

“Assim como na famosa imagem de um neandertal vestido com roupas modernas, eles ainda seriam facilmente reconhecidos como ‘humanos’”, disse McRae.

“Eles continuam sendo nossos primos mais misteriosos — apenas um pouco menos misteriosos do que antes”, concluiu. “Ainda há muito trabalho a fazer para entender exatamente quem foram os denisovanos e como eles se relacionam conosco e com outros hominídeos.”

Fonte CNN Brasil

Propaganda
Compartilhe essa notícia:
Continue lendo
Propaganda