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Entenda por que paredão de Chapada dos Guimarães (MT) com 130 milhões de anos está desmoronando e bloqueando principal rodovia
O trânsito é interrompido na rodovia todos os dias, das 8h às 14h, para realização de serviços de contenção emergencial. Quando há chuva, a pista também é bloqueada por segurança.
Três desmoronamentos foram registrados na região do Portão do Inferno, na MT-251 – principal via de acesso a cidade turística Chapada dos Guimarães, a 65 km de Cuiabá – desde novembro, quando foi divulgado um relatório apontando riscos de quedas de rochas dos paredões às margens da rodovia. A região possui cerca de 130 milhões de anos, mas essa é a primeira vez que entra em estado crítico e bloqueia a estrada.
Por determinação do governo do estado, o trânsito é interrompido na rodovia todos os dias, das 8h às 14h, para realização de serviços de contenção emergencial. Quando há chuva, a pista também é bloqueada,por segurança. A área está sob monitoramento da Secretaria Estadual de Infraestrutura e Logística (Sinfra-MT).
Segundo o professor de geologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Caiubi Kuhn, o desprendimento ocorre porque as rochas que estão caindo na pista foram formadas há milhões de anos, quando o município era um grande deserto.
Ao g1, o pesquisador explicou que, com o passar do tempo, os grãos de areia se colaram e viraram pedregulhos. O professor contou que a erosão influenciou no processo de desintegração das rochas e, consequentemente, nos desabamentos.
“Assim como acontece com açúcar em pote, os grãos de areia foram se ‘colando’ e virando a rocha, propriamente. Aquelas rochas já foram dunas do deserto que existia há milhões de anos, porém, agora, estão sendo erodidas pouco a pouco”, explicou.
Diferente de um deslizamento, que ocorre quando a água penetra o subsolo, o desmoronamento acontece quando as rochas possuem rachaduras e fraturas geológicas e, consequentemente, ressecam e quebram com mais facilidade durante períodos de estiagem, segundo Caiubi.
“Especificamente nas rochas daquela região [do Portão do Inferno], existem fraturas naturais, que foram causadas por processos geológicos. Durante secas intensas como as vividas nos últimos anos, essas rochas também se ressecam e tendem a se quebrar com mais facilidade. É igual a um bolo, quando resseca muito. Quando começa a estação das chuvas, essas rochas absorvem a água como espoja e ficam mais pesadas. Com isso, é mais fácil blocos se soltarem”, relatou.
Desmoronamento de rocha registrado na região em dezembro — Foto: g1 MT
Além disso, Caiubi diz que a queda de pequenos blocos em um curto período de tempo pode indicar que maiores desmoronamentos estão por vir e que, inclusive, é necessário que haja uma equipe técnica permanente no local para lidar com a gravidade do caso.
“A ocorrência de várias pequenas quedas de blocos em um curto período, pode indicar que blocos maiores podem se soltar, mas isso só poderá ser identificado por meio de estudos técnicos. Não é só o Portão do Inferno que é área de risco naquela estrada. Temos vários outros pontos que são áreas de risco no estado”, ressaltou.
Paredões na região do Portão do Inferno tem cerca de 130 milhões de anos — Foto: Marcos Vergueiro/Secom
Caiubi disse ainda que o Portão do Inferno é usado há séculos como ponto de acesso entre Cuiabá e Chapada dos Guimarães, então é possível que ocorram mais quedas de blocos e deslizamentos. Por isso, segundo ele, é importante que haja vigilância frequente no local para que futuros acidentes não aconteçam.
“O mais importante é que seja feito nestes locais o monitoramento, as medidas de prevenção necessárias e a orientação da população”, concluiu.
Formação dos paredões de Chapada
Chapada dos Guimarães é conhecida pelas belezas naturais e atrai milhares de turistas todos os anos. O Portão do Inferno fica em uma curva da rodovia que liga a Cuiabá ao município, e possui paredões que chegam a 150 metros de altura.
A geóloga e mestre em geociências, Sheila Klener, esclareceu ao g1 que o município de Chapada dos Guimarães é formado por rochas sedimentares inseridas em uma estrutura geológica chamada Bacia Sedimentar do Paraná. De acordo com a pesquisadora, as pedras que estão caindo são formadas pela consolidação dos fragmentos de outras rochas.
“Na região específica do Portão do Inferno, são encontrados arenitos, que como o próprio nome diz, são rochas formadas a partir da sedimentação de areia. O relevo como vemos hoje, é um conjunto de formas que desenham a superfície do planeta. O relevo se forma a partir da movimentação de placas tectônicas e também dos agentes intempéricos que são o clima, a ação dos ventos, da água, micro-organismos, vegetação e ainda da ação humana”, pontuou.
No dia 11 de dezembro, a região do Portão do Inferno registrou dois desmoronamentos de rochas em menos de 24 horas. Durante a tarde, motoristas que passavam no local gravaram parte das rochas caídas na pista. À noite, outro vídeo mostra policiais atuando na liberação da via, bloqueada por outro deslizamento.
Segundo o Batalhão de Trânsito Urbano e Rodoviário da Polícia Militar (BPMTRAN), no deslizamento registrado durante a tarde, não houve carros atingidos e nem pessoas feridas. Uma equipe da Prefeitura de Chapada dos Guimarães fez a limpeza da pista e a rodovia foi liberada 16h30.
Já no dia 23 de dezembro, um novo deslizamento de rocha foi registrado na região da MT-251, em Chapada dos Guimarães. De acordo com a Secretaria Estadual de Infraestrutura e Logística (Sinfra-MT), a rodovia ficou completamente interditada.
Interdição
Em dezembro, o governo publicou uma portaria que interdita o tráfego de veículos de carga na região do Portão do Inferno. Está permitido apenas o trânsito de veículos de carga com até 14 metros de comprimento, 29 toneladas de peso bruto total, além de permitir que veículos passem pelo local em dias úteis e em outros trechos da rodovia.
Está proibida a passagem de veículos como:
- Micro-ônibus
- Ônibus, incluindo de viagem
- Reboque ou semi-reboque
- Caminhão
- Caminhonete transportando carga, exceto bagagem
- Caminhão-trator
- Motor-casa
- Veículo automotor de transporte coletivo com capacidade para até vinte passageiros
Risco apontado em relatório
Pontos 7, 8 e 9, considerados os os mais críticos, segundo relatório — Foto: Azambuja Engenharia e Geotecnia
De acordo com um ofício feito pela Secretaria Estadual de Infraestrutura e Logística (Sinfra-MT), foi constatado risco de deslizamento desde 2021.
O relatório feito neste ano por uma empresa de consultoria especializada identificou 10 locais com riscos de acidente geotécnico. Três pontos são considerados de criticidade elevada. O documento cita que as rochas apresentam folhelhos alternados com arenitos e que o sistema é muito drenante, fazendo com que a água se infiltre.
“Os problemas de estabilidade estão relacionados com a compartimentação dos blocos de arenitos. Durante chuvas torrenciais, a pressão de água favorece movimentos de tombamento desses blocos. Os blocos mais altos se tornam mais propensos a movimentos de rolamento. Esses arenitos caem em blocos individualizados e por fraturas”, diz o estudo.
Quatro soluções indicadas pela empresa e impactos ambientais cada um apresenta:
- Não duplicação e estabilização das escarpas: Há pouca interferência na área do parque, ficando restrita às imediações da faixa de domínio da rodovia. A obra ficaria em R$ 228 milhões.
- Duplicação mantendo o traçado atual, estabilização das encostas e nova Obra de Arte Especial (OAE) dupla: Também pouca interferência na área do parque, com pouco alargamento da rodovia. Estrada com nível de serviço compatível com as necessidades locais. A obra ficaria em R$ 276,4 milhões.
- Duplicação com túnel longo: Obra com interferência apenas nos acessos aos emboques. É necessário identificar a quantidade de bota-fora para a construção do túnel. Ainda existem custos operacionais. Os riscos de desmoronamento são menores. A obra ficaria em R$ 1,9 bilhões.
- Duplicação com túnel curto: Obra que separa da via o Portão do Inferno e permite melhor aproveitamento do potencial paisagístico. Combina as vantagens e desvantagens das soluções de túneis e de duplicação. A obra ficaria em R$ 450 milhões.
Fonte G1