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Internacional

Venezuela x Guiana: qual o risco de uma guerra na fronteira com o Brasil

Referendo consultivo na Venezuela sobre a região de Essequibo controlada pela vizinha Guiana, em Caracas, no dia 3 de dezembro de 2023 — Foto: Pedro Rances Mattey/AFP
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Segundo uma fonte ouvida pelo g1, as Forças Armadas do Brasil já prepararam cenário de um conflito. Especialistas acham que cálculo político de Maduro deixam chance de guerra menos provável, mas imprevisibilidade do líder venezuelano pode mudar o jogo.

As tensões pela possibilidade de um conflito na América do Sul cresceram após a Venezuela aprovar, em referendo no domingo (3), a proposta de seu governo para criar um novo estado em Essequibo, a região que engloba 70% do território da Guiana e é disputado pelos dois países.

Embora o Brasil considere o conflito pouco provável, as Forças Armadas já prepararam um cenário para essa possibilidade e aumentaram o nível de alerta na região, segundo relatou ao g1 uma fonte da Casa Civil do governo Lula. A presença de militares brasileiros nas duas fronteiras com a Venezuela e com a Guiana foi, inclusive, ampliada, com veículos blindados.

O que explica a movimentação brasileira: para que haja um eventual confronto por terra, seria preciso, necessariamente, que tropas venezuelanas passassem pelo norte de Roraima, que faz fronteira tanto com a Guiana quanto com a Venezuela (veja mapa abaixo).

Não há, ainda de acordo com a mesma fonte ouvida pelo g1, uma orientação do governo brasileiro para o início imediato de uma operação militar na fronteira com a Venezuela, mas um estado de alerta, e uma avaliação de que a diplomacia brasileira terá de aumentar o tom para intermediar a disputa —atualmente, há uma postura de não intervir na questão. (leia mais abaixo).

Por si só, o fato de o Brasil estar no caminho já dificulta uma eventual invasão por terra, dada a neutralidade brasileira na disputa e a improbabilidade de Maduro comprar briga com o presidente Lula a respeito do assunto.

Ainda assim, a incursão na Guiana teria que ser por meio de mata densa e fechada, o que inviabiliza o avanço das tropas. Uma opção seria pelo mar.

Todo esse cenário resulta em um custo político alto, na avaliação do professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra Ronaldo Carmona.

Carmona disse achar também que o fator econômico está pesando no cálculo de risco do presidente venezuelanoNicolás Maduro, candidato à reeleição em 2024, quando o país realiza eleições gerais.

“Hoje, o objetivo principal do Maduro é a reeleição e, para lograr isso, ele precisa persistir no caminho da economia. Recentemente, os Estados Unidos levantaram sanções ao petróleo da Venezuela, e se espera uma recuperação econômica com isso. A guerra certamente faria os EUA levantarem essas sanções novamente”, afirmou o professor ao g1.

Há ainda outro ponto de tensão com os EUA: Washington planeja instalar bases militares em Essequibo, e, na semana passada, enviou militares do alto escalão do Comando Sul das Forças Armadas à Guiana para debater a segurança do país. Ou seja, o país não estaria sozinho na disputa.

Ao podcast O Assunto, do g1, Oliver Stuenkel, professor da FGV-SP, disse acreditar que o risco de guerra é “bastante baixo”.

Já para o professor de política internacional do Ibmec Tanguy Bagdhadhi, o fator da imprevisibilidade —segundo ele, um estilo de governo de Maduro— deixa o cenário incerto.

Existe o risco (de um confronto), sim. Embora o referendo possa ter sido um elemento eleitoral, a imprevisibilidade de um governante de um líder com o Maduro é um fator importante. Ele é pouco transparente também – não há até agora uma divulgação muito clara do que ele pretende fazer com o resultado do referendo, por exemplo”.

Venezuela aprova anexar Guiana — Foto: Reprodução

Venezuela aprova anexar Guiana — Foto: Reprodução

O que dizem os dois lados

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou na segunda-feira (4) que o país busca “construir consensos” e que vai “conseguir recuperar Essequibo”.

No mesmo dia, Bharrat Jagdeo, o vice-presidente da Guiana, afirmou em entrevista que está se preparando para o pior e que o governo está trabalhando com parceiros para reforçar a “a cooperação de defesa”.

O ministro do Trabalho do país, Deodat Indar, disse, sem dar detalhes, que o governo não vai tolerar nenhuma invasão ao território de seu país.

Já o Brasil vem mantendo o tom diplomático. Na segunda-feira (4), a secretária de América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Gisela Padovan, afirmou que o Itamaraty está mantendo conversas de alto nível com ambos os lados.

O referendo

O referendo realizado pela Venezuela tinha apenas caráter consultivo e, por isso, não é automaticamente vinculante – ou seja, o resultado não significa que o Estado da Venezuela está autorizado a anexar a região.

Na segunda-feira (4), o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, falou de “vitória esmagadora” de “um povo que ergueu bem alto sua bandeira tricolor com as oito estrelas (a bandeira da Venezuela) que brilharam como nunca”.

No domingo (3), Maduro disse que o resultado fará o governo “recuperar o que os libertadores nos deixaram” – em referência à reivindicação histórica na Venezuela de que o território era originalmente do país e foi ilegalmente anexado pelo Reino Unido, de quem a Guiana é ex-colônia.

Líderes e membros da oposição, no entanto, apontaram que vários fatores indicaram que o resultado não reflete a opinião da população, entre eles:

  • O baixo comparecimento – 10 milhões dos 20 milhões de eleitores da Venezuela votaram, segundo o governo. Mas o partido Voluntad Popular, do opositor Leopoldo López, afirma que o número total de votantes foi ainda menor.
  • Também houve relatos por parte da oposição de que estudantes do Ensino Médio, menores de idade, foram retidos em escolas e obrigados a votar. O governo ainda não havia se manifestado sobre essa acusação até a última atualização desta reportagem.
  • O governo proibiu uma campanha oficial contra o referendo, ao contrário da publicidade que o regime de Maduro deu para o lado favorável à consulta pública.
  • No domingo (3), as autoridades eleitorais chegaram a estender a votação por duas horas.

Testemunhas da agência de notícias Reuters visitaram centros de votação em todo o país com pouca e nenhuma fila. Em Maracaibo, no estado de Zulia, rico em petróleo, os mesários disseram à Reuters que o comparecimento às urnas foi baixo.

“O governo está realizando o referendo por razões internas. Eles precisam testar sua máquina eleitora”, afirmou o diretor do Centro de Estudos Políticos da Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas, Benigno Alarcón.

A oposição venezuelana também acusa o regime de Maduro de estar usando a pauta de Essequibo e o referendo como cortina de fumaça para as eleições que o país realizará em 2024.

A candidata María Corina Machado, que venceu prévias da oposição mas foi impedida de concorrer pela Justiça venezuelana, já disse que Caracas tentará prolongar ao máximo os debates sobre os desdobramentos da consulta pública enquanto tentará impedir que mais candidatos concorram com Nicolás Maduro.

Nesta segunda-feira (4), Corina afirmou que pretende acionar a Corte Internacional de Justiça.

“Todos nós sabemos o que aconteceu ontem: o povo suspendeu um evento inútil e danoso (…). Agora devemos apresentar uma defesa impecável de nossos direitos na Corte Internacional de Justiça”, disse.

O Voluntad Popular, de Leopoldo López, chamou a consulta pública de “manobra propagandística da ditadura” e comparou o índice de comparecimento com o das primárias que a oposição realizou – oficialmente, 2,3 milhões foram às urnas em primárias organizadas pela oposição venezuelana em outubro para definir o candidato que enfrentaria Nicolás Maduro nas eleições presidenciais de 2024 no país.

Mas a oposição afirma que os números de votantes no referendo de domingo é muito menor e foi maquiado pelo presidente do Conselho Eleitoral.

“Tentaram encobrir o sucesso esmagador da participação nas primárias, mas a realidade explodiu em seus rostos: os venezuelanos votaram em massa nas primárias porque querem mudanças, mas se abstiveram no referendo”, declarou o partido pelas redes sociais.

Corte Internacional de Justiça

Tanto o resultado quanto a realização do referendo em si desafiam a determinação da Corte Internacional de Justiça, a instância mais alta da Organização das Nações Unidas (ONU) para julgar casos de soberania entre países. Na sexta-feira (1º), os juízes do tribunal decidiram, de forma unânime, que a Venezuela não pode fazer nenhum movimento para tentar anexar Essequibo.

Ao explicar a decisão unânime da Corte de Haia, a presidente do tribunal, Joan Donoghue, afirmou que as declarações do governo venezuelano das últimas semanas sugeriam que Caracas “está tomando medidas para assumir o controle e administrar o território disputado”.

“Além disso, oficiais militares venezuelanos anunciaram que a Venezuela está tomando medidas concretas para construir uma pista de pouso que servirá como apoio logístico para o desenvolvimento integral de Essequibo”, disse Donoghue durante sessão para a leitura da sentença.

No domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentou o referendo e pediu “bom senso”.

“Se tem uma coisa que o mundo e a a América do Sul não está precisando agora é mais confusão, mais briga. Espero que o bom senso prevaleça e a gente possa trabalhar para melhorar a vida das pessoas”, declarou.

A origem do problema

O território de Essequibo é disputado pela Venezuela e Guiana há mais de um século. Desde o fim do século 19, está sob controle da Guiana. A região representa 70% do atual território da Guiana e lá moram 125 mil pessoas.

Na Venezuela, a área é chamada de Guiana Essequiba. É um local de mata densa e, em 2015, foi descoberto petróleo na região.

Estima-se que na Guiana existam reservas de 11 bilhões de barris, sendo que a parte mais significativa é “offshore”, ou seja, no mar, perto de Essequibo. Por causa do petróleo, a Guiana é o país sul-americano que mais cresce nos últimos anos.

Tanto a Guiana quanto a Venezuela afirmam ter direito sobre o território com base em documentos internacionais:

  • A Guiana afirma que é a proprietária do território porque existe um laudo de 1899, feito em Paris, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Na época, a Guiana era um território do Reino Unido.
  • Já a Venezuela afirma que o território é dela porque assim consta em um acordo firmado em 1966 com o próprio Reino Unido, antes da independência de Guiana, no qual o laudo arbitral foi anulado e se estabeleceram bases para uma solução negociada.

O regime de Nicolás Maduro organizou um referendo a respeito da relação entre a Venezuela e o território de Essequibo. A consulta teve cinco perguntas:

  • Você rejeita a fronteira atual?
  • Você apoia o Acordo de Genebra de 1966?
  • Você concorda com a posição da Venezuela de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça?
  • Você discorda de a Guiana usar uma região marítima sobre a qual não há limites estabelecidos?
  • Você concorda com a criação do estado Guiana Essequiba e com a criação de um plano de atenção à população desse território que inclua a concessão de cidadania venezuelana, incorporando esse estado ao mapa do território venezuelano?

Fonte G1

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