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Internacional

Como deveriam ser as futuras cidades? Uma linha no horizonte instagramável? Com certeza, não

The Line é uma cidade em construção na Arábia Saudita, com dois arranha-céus paralelos conectados por passarelas que se estenderão por um deserto (REPRODUÇÃO/YOUTUBE/NEOM)
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Cidade monumental construída no deserto da Arábia Saudita abrigará 9 milhões de pessoas, mas deve ser altamente poluente

De 2020 a 2060, o mundo vai construir o equivalente a uma cidade de Nova York a cada mês, segundo uma estimativa. Sim, pode até não parecer, mas provavelmente estamos vivendo o maior boom de construção da história. Mas, ainda assim, isso pode não ser o suficiente para atender à crescente necessidade de moradias. A ONU estima que 96 mil unidades financeiramente acessíveis devem ser construídas diariamente para abrigar as três bilhões de pessoas que vão precisar delas até 2030.

Muitos países que enfrentam um crescimento populacional intenso estão criando cidades inteiramente novas que combinam a sustentabilidade com uma arquitetura impressionante. O Egito está construindo uma capital a leste do Cairo para seis milhões e meio de residentes, apresentando o arranha-céu mais alto da África. Para aliviar a pressão sobre os 30 milhões de habitantes da região metropolitana de Jacarta, na Indonésia, uma nova capital está sendo construída na ilha de Bornéu.

Talvez o projeto mais famoso seja o Neom, na Arábia Saudita, que inclui uma estação de esqui na montanha, um centro logístico flutuante e uma cidade conhecida como “The Line”, com dois arranha-céus paralelos conectados por passarelas que se estenderão por um deserto e por montanhas. Por mais que o governo tenha recentemente reduzido a primeira fase da construção, bilhões de dólares foram alocados para o projeto, que um dia poderá abrigar cerca de nove milhões de pessoas. A cidade, planejada para ter cerca de 200 metros de largura, 500 metros de altura e cerca de 170 km de extensão – aproximadamente oito vezes o comprimento da Ilha de Manhattan –, será a maior expressão de ambição, riqueza e avanço tecnológico.

The Line oferece uma visão hedonista da vida urbana. Nas representações, famílias fazem piquenique em pontes suspensas sobre átrios que lembram cânions; a vegetação exuberante desce em cascata dos arranha-céus, estendendo-se pelo horizonte. E o projeto promete uma versão de sustentabilidade urbana com que a maioria das cidades só pode sonhar: sem estradas, carros ou emissões de gases de efeito estufa provenientes do transporte ou da eletricidade.

Mas, mesmo com toda sua audácia, a cidade The Line não deve ser nosso modelo para uma vida urbana sustentável. Existem maneiras muito melhores de construir, baseadas em tudo que já sabemos sobre materiais e design. As cidades do futuro devem experimentar novas abordagens na arquitetura, mas com o objetivo de tornar os espaços mais habitáveis e sustentáveis, e não só icônicos.

O futuro não é instagramável

Embora a decisão da Arábia Saudita de construir uma cidade linear muito alta possa parecer bizarra, existem benefícios claros em empilhar prédios uns sobre os outros e conectá-los com passarelas em diferentes alturas e linhas de trânsito. Os moradores podem ir de uma ponta à outra da cidade em apenas 20 minutos sem nunca entrar em um carro.

Além disso, empilhando a cidade verticalmente, a densidade de The Line seria de aproximadamente incríveis 685 mil pessoas por milha quadrada, o que faria dela a cidade mais densa do planeta, muito mais até do que o distrito de Mong Kok, em Hong Kong, que tem cerca de 340 mil pessoas por milha quadrada. Essa superdensidade confere a The Line uma taxa de ocupação do território muito baixa, preservando a natureza de 95% da região circundante.

Mas, por mais que seja densa, dificilmente eu a consideraria compacta. Sua gigantesca fachada de vidro espelhado vai criar um muro de aproximadamente 85 quilômetros quadrados que vai atravessar o deserto, representando um risco substancial para as aves migratórias. Vilarejos também foram demolidos para dar lugar à sua inabalável estrutura linear. Empilhar uma cidade até o céu também não é barato – relatos sugerem que The Line pode custar mais do que o dobro por metro quadrado do que arranha-céus convencionais no Oriente Médio, não sendo um modelo de habitação acessível a ser replicado em outros lugares.

A altura de The Line também traz problemas ambientais próprios. Prédios altos requerem mais material estrutural – geralmente concreto e aço – para resistir à carga de vento que aumenta com a altura, e cuja fabricação tem um impacto significativo no clima. O cimento, por exemplo, é responsável por cerca de 8% de todas as emissões de dióxido de carbono, enquanto o aço gera em torno de sete por cento do total.

O projeto de The Line prevê estruturas vertiginosas que se projetam horizontalmente, sem uma sustentação direta por baixo, e até um estádio que desafia a gravidade, estendendo-se por dois prédios a centenas de metros acima do solo. No total, vai exigir uma quantidade verdadeiramente colossal de materiais, com emissões provavelmente muito mais altas do que aquelas geradas na construção de uma cidade típica – algo, portanto, que não se deve imitar.

Barcelona adota um padrão de prédios de altura mediana e alta densidade(ARCHIE MCNICOL/PEXELS)

Se não convém que sejam muito altas, que forma as novas cidades deveriam adotar? Alguns pesquisadores sugerem prédios de altura mediana e alta densidade (como Paris ou Barcelona), enquanto outros apoiam uma altura de 18 a 20 andares para uma cidade de dez milhões de habitantes. Isso não significa que não devemos construir prédios mais altos, mas sim que uma altura tão vertiginosa quanto a de The Line, de aproximadamente 500 metros, deve ser evitada.

Quanto aos materiais, devemos priorizar madeira, pedra, terra compactada e até cortiça, que são melhores para o clima do que o concreto ou o aço. As regulamentações na França exigem que todos os novos prédios públicos sejam construídos com pelo menos 50% de madeira ou outro material natural, e atualmente novas construções no país estão sendo feitas inteiramente em madeira – que, quando combinada com um pouco de aço e concreto, pode até ser usada para construir arranha-céus.

O acesso à madeira em países como a Arábia Saudita pode ser limitado. Mas no vizinho Iêmen, a cidade de Shibam, com 500 anos de idade, mostra como o tijolo de barro pode ser empregado na construção de prédios de pelo menos sete andares. Arquitetos estão usando terra compactada e tijolo de barro em todos os tipos de construções contemporâneas, como no maravilhoso Complexo Religioso e Secular Hikma, no Níger. Também podemos fazer paredes pré-fabricadas com esses materiais naturais para construir apartamentos de vários andares.

Sintonia com o clima

As cidades do futuro também precisam estar em sintonia com seu clima local. Prédios de vidro podem necessitar de mais ar-condicionado, com um grande custo energético. Em vez disso, as cidades deveriam se afastar desse conceito e abraçar o sombreamento para bloquear e filtrar o calor indesejado do sol, reduzindo a necessidade de energia e mantendo os moradores confortáveis.

Em seu nível mais fundamental, as cidades são destinadas a abrigar pessoas e construir comunidades. O sucesso não vem de uma linha no horizonte instagramável, mas da forma como os espaços são projetados e usados. Qual é seu nível de segurança para crianças pequenas? As pessoas podem permanecer neles o tempo todo? São acessíveis? Essas perguntas podem parecer excessivamente pragmáticas, até mesmo entediantes, mas são elas que impulsionam o sucesso de uma cidade – muito mais do que seu grau de estímulo visual. Basta olhar para as falhas do Vessel, estrutura arquitetônica no bairro de Hudson Yards, em Manhattan, para notar as desvantagens de priorizar o espetáculo visual em detrimento da funcionalidade, da acessibilidade e da segurança.

Ainda não sabemos como seria viver em um arranha-céu linear com pontes suspensas arborizadas; um dos poucos projetos assim é o Pinnacle@Duxton, em Singapura. Lá, quase dois mil apartamentos distribuídos em sete torres de 50 andares são conectados por dois níveis de pontes suspensas. Fiz parte de uma equipe que estudou como as pessoas usavam esses espaços verdes exuberantes em altitudes elevadas. Descobrimos que proporcionam paz e um refúgio em meio ao denso ambiente urbano. Mas os residentes também ficaram frustrados com as regras rigorosas que limitavam sua liberdade de usar os espaços como desejassem.

Durante milênios, nossas cidades foram moldadas pelo poder e pela identidade. Na Bolonha do século XIII, os italianos construíram torres, provavelmente para demonstrar sua riqueza. Atualmente, Nova York, Hong Kong, Londres, Dubai e Xangai se exibem de maneira similar, criando identidade de marca com seu horizonte em um esforço para seguirem como potências econômicas e de talentos.

Por mais que os promotores de The Line digam que o projeto vai ser ótimo para as pessoas e para o meio ambiente, o desejo de criar um ícone global é, certamente, o principal motivo para a Arábia Saudita construí-lo – e, nesse quesito, devemos admitir: o país já foi muito bem-sucedido.

Mas esse é o futuro da vida urbana? Para o bem dos habitantes da cidade e do meio ambiente, espero que não.

(Philip Oldfield, diretor da Escola de Ambiente Construído da Universidade de Nova Gales do Sul, em Sydney, na Austrália, é autor do livro “The Sustainable Tall Building”.)

Fonte R7

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