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Saúde

Brainrot: como o consumo excessivo de memes e modismos nas redes sociais deteriora nosso cérebro

A névoa mental característica do brainrot — Foto: ARTE DE GUSTAVO AMARAL SOBRE FOTO DE MILAD FAKURIAN/UNSPLASH
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Comunicação comprometida com excesso de piadas do Twitter ou jargões do TikTok, ansiedade e falta de concentração e até isolamento social estão na lista de como a ‘prodridão cerebral’ pode aparecer

Dia desses, durante um chope com amigos, a analista de marketing carioca Antônia Batista, de 28 anos, começou a imitar um rapaz “guloso” que segue no TikTok para mostrar o quanto tinha gostado de um aperitivo servido na mesa. Ninguém achou graça. Não raro, ela também tem esses ruídos de comunicação com o namorado, que fica sem entender o que ela quer dizer. Antônia reconhece que usa e abusa de jargões ou memes que consome em redes como Instagram, TikTok e Twitter — diariamente, são sete horas on-line por conta do trabalho, mais três horas de lazer, no mínimo, segundo seus cálculos.

O que a jovem está vivendo pode ser um sinal de brainrot — em bom português, “podridão (ou deterioração) cerebral”, estado que pode levar a uma certa dificuldade de concentração e comunicação, e até a isolamento social e ansiedade, consequentes de um consumo excessivo de conteúdo fútil em redes sociais. Apesar de o termo ainda não aparecer em publicações científicas, especialistas já conseguem interpretá-lo. Quanto mais tempo gastamos curtindo memes, vídeos de bichinhos, piadas e outras bobagens, mais isso pode comprometer a saúde mental e mais dificuldade podemos ter de nos comunicarmos para além do léxico do meme. Se faltam palavras, sobra brainrot.

— É uma consequência do uso excessivo de telas, num estágio mais avançado — diz a terapeuta ocupacional Renata Maria Silva Santos, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Medicina Molecular da UFMG. — E se refere, entre outras coisas, à dificuldade de fala, à perda de habilidades de comunicação. As pessoas ficam presas a um esquema tão intenso de estímulos que não focam e começam a se comunicar por meio de coisas prontas, tipo um meme.

Para que conste: Antônia Batista consegue enxergar claramente sua situação.

—As características do brainrot estão mesmo presentes no meu dia a dia. Sempre fui de usar o dialeto das redes, e sinto que isso está aumentando — admite.

Em entrevista ao New York Times, Michael Rich, pediatra do laboratório Digital Wellness Lab, do Hospital Pedriátrico de Boston, nos Estados Unidos, diz que seus jovens pacientes costumam se referir a brainrot como “uma forma de descrever o que acontece quando se passa muito tempo on-line, e sua consciência se desloca para o espaço virtual em vez da vida real, filtrando tudo através da lente do que foi postado e do que pode ser postado”.

Detox difícil

Ironia ou não do destino, o termo começou a se popularizar justamente em vídeos numa rede social, no caso o TikTok, em que influenciadores ora tiravam sarro da forma como a “podridão cerebral” pode deixar as pessoas sem vocabulário, ora falando em tom mais sério sobre como o excesso de referências a memes e trends pode atrapalhar conversas.

Alguns dos conteúdos de maior sucesso com #brainrot (já são mais de 300 mil no TikTok) estão em inglês e são da influenciadora americana Heidi Becker. Em esquetes de humor, ela interpreta uma jovem que se comunica somente com expressões que “bombam” na rede, como “arrume-se comigo”, desafio de moda onipresente por lá. Outro influenciador americano, Joel Cave, também viralizou ao descrever, de forma mais sóbria, um colega de faculdade que, a todo momento, “insere” memes nas conversas. “O fato de que a internet pode se infiltrar tanto em nosso cérebro a ponto de as pessoas nem terem controle sobre o que estão dizendo é louco para mim. Se você é esse tipo de pessoa, está na hora de largar o celular”, aconselha.

Deixar as redes de lado é o que a servidora pública de São Luís do Maranhão Andiara Martins, de 34 anos, tem feito há uma semana. Ela não tem os problemas de comunicação descrito pelos dois tiktokers, mas passa, sim, por excessos de consumo digital que deságuam num estado de ansiedade improdutivo. Algo não aconselhável para quem estuda para concurso público.

— Percebo que, em épocasem que estou mais ansiosa, fico mais tempo no Instagram. Isso potencializa a ansiedade e fico angustiada demais — diz.

O relato de Andiara é a clara descrição de um ciclo vicioso que nem todo mundo percebe e que exige determinação para ser rompido. Antônia Batista, consciente da relação de dependência com as redes sociais, até tenta fazer um detox nas férias, mas admite ser “praticamente impossível”:

— Quando alguém fala sobre um meme ou áudio que nunca conheci, penso logo: “Como ainda não fui impactada por isso?” Peço rapidamente para me mandarem.

Para o psicanalista Leonardo Goldberg, autor de “O sujeito na era digital” (Editora Almedina), as redes sociais deixam os processos mentais em modo automatizado, inclusive a forma de lidar com inquietações:

—As redes sociais têm uma estrutura que privilegia um conteúdo sem elaboração e jogam o espectador num flow que serve como anteparo para angústia.

Sem culpa

É importante pensar o papel das plataformas nisso e não apenas o comportamento dos usuários, ressalta Issaaf Karhawi, pesquisadora em Comunicação Digital e professora da Unip-SP. Ele destaca que redes como Instagram e TikTok são organizadas para que se passe o máximo de tempo ali para “assistir a um anúncio, clicar nele e comprar”:

— Não gosto de apontar o dedo só para o usuário. Claro que há impacto psicológicos em relação ao tipo de conteúdo que consumimos, mas há uma questão importante em jogo que é o desenho das plataformas — explica. — Falávamos de redes sociais como espaço de sociabilidade, mas hoje temos muita clareza de que a finalidade é consumo. O que circula e é impulsionado pelos algoritmos são conteúdos superficiais, ora mais divertidos, ora mais emotivos, às vezes mais raivosos, para levar o usuário ao objetivo final: clicar em alguma coisa.

Adolescentes e jovens adultos da geração Z são os mais propensos a sofrerem os efeitos da “podridão cerebral”, reconhecem especialistas, que ainda divergem sobre como se livrar deles. Médicos do Digital Wellness Lab, do Hospital Pediátrico de Boston, acredita que o brainrot não é um vício em redes sociais, mas uma forma de as pessoas se desviarem de outros problemas, “rolando infinitamente o feed”. O Newport Institute, centro de tratamento para saúde mental de adolescentes e jovens adultos espalhado por várias cidades dos EUA, criou protocolos específicos de tratamento para mitigar efeitos do brainrot, que incluem limitar horários para uso de celular. Há também a indicação de atividades para “fortalecimento da mente”, como aprender uma nova língua, um esporte ou um trabalho manual. Fazer uma curadoria do feed (“Não sucumba a notícias sensacionalistas e negativas. Além disso, deixe de seguir contas que gerem sentimentos de raiva ou ansiedade com frequência”, diz o protocolo) é outro conselho.

Em maio, muita gente — com brainrot ou não — resolveu seguir essa lógica da limpeza do feed para tentar melhorar o espaço virtual que habita. Foi o movimento Blockout: a ideia inicial era deixar de seguir celebridades e influenciadores que não se posicionavam sobre o conflito Israel-Hamas e preferiam exibir uma realidade apolítica no feed. A foice virtual passou para além do assunto Oriente Médio e, no TikTok, houve quem fizesse listas com os nomes e razões do Blockout do dia.

Taylor Swift, bastante cobrada,perdeu, segundo o Crowdtangle, quase 230 mil seguidores no auge do movimento, entre 12 e 18 de maio. Mas, de acordo com dados do Google Trends, tudo parece não ter passado de uma trend, ou seja, um modismo. O auge das buscas por “blockout” aconteceu na semana da mais expressiva perda de seguidores da cantora, e depois a curva caiu vertiginosamente.

Fonte O Globo

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