Meio Ambiente
Cidade brasileira que já foi a mais poluída do mundo virou símbolo de recuperação ambiental após tragédia que matou 93 pessoas
Cubatão (SP) já foi considerada a mais poluída do mundo pela ONU e ficou conhecida como ‘Vale da Morte’. Na década de 1980, indústrias da cidade descarregavam aproximadamente mil toneladas de poluentes atmosféricos por dia, mas isso mudou quando o município foi palco de uma grande tragédia.
A cidade de Cubatão (SP), que já foi considerada a mais poluída do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU), virou símbolo de recuperação ambiental após o incêndio da Vila Socó, que matou 93 pessoas. A tragédia aproximou as indústrias, moradores e autoridades públicas por um plano que resultou na redução de 98% dos poluentes no ar.
O Programa de Controle de Poluição Ambiental, segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), foi iniciado por decisão do então governador André Franco Montoro, e aconteceu depois do incêndio de 24 de fevereiro de 1984.
Imagem aérea do polo industrial de Cubatão, SP — Foto: Arquivo A Tribuna
Na época, um duto que ligava a Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão (RPBC) ao terminal portuário da Alemoa rompeu e derramou 700 mil litros do produto inflamável pelo mangue.
Em 1985, um ano depois do incêndio da Vila Socó, a cidade mais poluída do mundo começou a caminhada para mudar a imagem negativa mundialmente. O principal objetivo programa foi controlar as fontes de poluição do ar, água e solo.
Como os níveis de poluição caíram 98%, em 1992 a cidade voltou a receber novo título da ONU, desta vez, de Cidade Símbolo da Recuperação Ambiental.
Na época, segundo a Prefeitura de Cubatão, foram instalados nas indústrias filtros que conseguiram controlar a emissão de poluentes no ar, além de terem sido estabelecidas normas mais rígidas quanto à utilização de recursos hídricos e despejo de material na natureza.
Ainda de acordo com a administração municipal, foram investidos aproximadamente US$ 3 bilhões, o equivalente a R$ 163 bilhões, na cotação atual. Veja alguma das ações do plano:
➡️ Filtros em chaminés
➡️Despoluição dos rios e córregos
➡️Gerenciamento de todos os resíduos produzidos
➡️Medições das emissões de gases no ar
➡️Recuperação da Mata Atlântica e replantio de árvores
A Cetesb enviou à equipe de reportagem o controle, levantado à época, das fontes de poluição da cidade. Veja abaixo:
Controle de Poluição Ambiental, em Cubatão, entre a década de 80 e 90
Poluição | Fontes autuadas | Fontes controladas |
Ar | 230 | 207 |
Águas | 44 | 44 |
Solo | 46 | 46 |
Total | 320 | 297 |
Fonte: Cetesb
Além dessas, 23 fontes foram desativadas. Atualmente, de acordo com a Cetesb, as fontes autuadas à época possuem controle. Algumas ações continuam sendo realizadas para manter o resultado do programa. Sendo elas:
- Fiscalizar as fontes já controladas
- Acompanhar obras de implantação de novos sistemas de controle
- Realização e acompanhamento de amostragens de sistemas de controle já implantados
- Avaliação de cargas poluidoras em fase de autuação
- Operação para evitar episódios críticos de poluição do ar
- Controle de fontes não prioritárias que passaram a ser significativas após o controle das fontes de maior impacto
- Monitoramento da qualidade dos rios da região
- Renovação das Licenças Ambientais das empresas prioritárias
- Remediação ambiental do complexo industrial
- Adequação dos sistemas de captação e tratamento de águas pluviais contaminadas
Incêndio que atingiu uma unidade da Vale Fertilizantes, em Cubatão (SP), em 2017 — Foto: Divulgação/Corpo de Bombeiros
O g1 entrou em contato com a ONU para solicitar o ranking atualizado das cidades mais poluídas do mundo, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Sobre Cubatão
Cubatão tem 142,879 km², cortados por rios e mangues, que sofreram o impacto da poluição. Com a Rodovia Anchieta, a cidade tornou-se um grande centro de tráfego de veículos de passeio e de carga entre São Paulo e a região da Baixada Santista. Mas, seu destaque é o grande parque industrial que abriga 24 empresas.
De acordo com a Organização Mundial em Saúde (OMS), as indústrias estão entre os maiores poluidores atmosféricos — o que foi e continua sendo o maior desafio da cidade, que trabalha para não voltar às condições da década de 80.
‘Vale da Morte’?
Vila Parisi, em Cubatão (SP), no dia 3 de maio de 1985 — Foto: João Vieira/Arquivo A Tribuna
O historiador Welington Ribeiro Borges, de 59, saiu de Minas Gerais (MG) e foi para Cubatão aos seis anos de idade. De acordo com ele, na década de 80 as indústrias lançavam aproximadamente mil toneladas de poluentes na atmosfera por dia.
A poluição da água, do solo e do ar, junto à falta de legislação ambiental da época, causou inúmeros casos de mortes por doenças respiratórias e anencefalia — condição em que o cérebro e o crânio não se desenvolvem. Estes motivos fizeram a cidade ficar conhecida como ‘Vale da Morte’ e ser considerada a mais poluída do planeta pela ONU.
A maioria destes casos, de acordo com Welington, foram registrados na Vila Parisi, um bairro situado no coração das indústrias, ou seja, a maior parte da carga de poluição ficava naquela região. A área deixou de ser habitada após o então prefeito José Oswaldo Passarelli decretar a extinção do bairro.
“Quando trabalhei no arquivo municipal tive contato com uma parte dos formulários de atendimento ambulatorial do antigo pronto-socorro da Vila Parisi. Eram milhares de fichas e, em uma rápida observação, a gente via que a maioria das pessoas era atendida por problemas do aparelho respiratório”, lembrou.
Atualmente, boa parte dos moradores da Vila Parisi se concentra no bairro Jardim Nova República. A região que foi extinta, por sua vez, foi transformada em um centro logístico para caminhões.
Como os moradores se sentiam?
Sete toneladas de peixes mortos no Rio Casqueiro, em Cubatão (SP) — Foto: Robynson Señoraes/g1
Welington explicou que a poluição prejudicava ainda mais as pessoas que já tinham problemas de saúde, principalmente, respiratórios. Elas eram obrigadas a se mudar para cidades vizinhas para conseguir sobreviver.
Segundo o historiador, alguns moradores usavam máscaras de proteção para conseguir circular pelo município sem sentir o cheiro de “óleo diesel e enxofre”. Além disso, o especialista lembrou que o céu tinha uma camada escura e amarelada.
“As pessoas conviviam da maneira como podiam […]. O sentimento que todos tinham era de não dizer que era daqui [de Cubatão]. Geralmente, dizíamos que morávamos em Santos ou outra cidade da região.
Dezenas de pessoas morreram durante incêndio na Vila Socó, em Cubatão — Foto: Arquivo/A Tribuna Jornal
Fonte G1