Política
Combate à violência contra jovens negros depende de enfrentamento ao racismo estrutural, dizem debatedores
Participantes de debate sobre o Plano Nacional da Juventude Negra Viva na Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira (17), foram unânimes em sustentar que somente com o combate ao racismo estrutural será possível enfrentar a violência que acomete jovens negros, principalmente nas periferias. O plano deve ficar pronto em novembro.
Segundo o diretor de Políticas de Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial, Yuri Silva, já foram ouvidos mais de 3 mil jovens em caravanas realizadas por todo o País para a confecção do Plano Nacional da Juventude Viva. Esta é a primeira vez que o documento traz um recorte racial.
Para o pesquisador e autor do livro Contrariando a estatística, Paulo César Ramos, a forma como o País vai enfrentar o legado da escravidão e do autoritarismo é determinante para o futuro da democracia brasileira.
Ramos ressaltou que, ao longo do processo de redemocratização, começado em 1985, o Brasil teve muito êxitos, como a diminuição da pobreza, políticas de meio ambiente e de cotas. Mas, ao mesmo tempo, o número de homicídios só aumentou. Segundo relatou, em 1980, foram 20 mil mortes violentas, número que subiu para 30 mil em 1990 e chegou ao pico de 60 mil em 2017.
“Algo escapou por entre os nossos dedos. O período em que mais incluímos social e politicamente foi aquele em que vicejaram dados como violência e encarceramento”, disse Ramos. “A gente conseguiu, sim, lograr êxito em políticas sociais, econômicas, desenvolvimentistas, em inclusão de direitos políticos, mas a gente precisa reconhecer que a relação que nós tivemos com esses nossos traumas – o autoritarismo e a escravidão – não nos permitiu entregar democracia, liberdade, inclusão social para aqueles sujeitos jovens, negros das periferias do Brasil”, concluiu.
O secretário nacional de Juventude, Ronald Santos, relatou ter perdido três parentes próximos na faixa dos 18 aos 20 anos por mortes violentas, “seja pela polícia, pela milícia ou pelo tráfico”. Na opinião do secretário da Juventude, o assassinato consistente de jovens pretos no Brasil não é uma política de governo, mas de Estado, “porque é normalizada”.
“Nós não temos direito à Justiça, nós não temos direitos à investigação, nenhum desses casos que eu apresento foi solucionado. Foi normalizado nos meios de comunicação aceitar a morte de jovens negros. Quando pega repercussão da morte de pessoa branca numa área nobre e a repercussão de centenas de mortes de pessoas negras numa área pobre, numa área de favela, a gente percebe que o direito à vida é seletivo na nossa sociedade.”
Para o pesquisador Paulo César Ramos, a população negra não tem direito à Justiça justamente porque “a morte social vem antes da morte física”, devido a essa legitimação social.
Já o deputado Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ) defende que o debate sobre a política de drogas é fundamental nesse contexto. Na opinião do parlamentar, a política atual é “o dispositivo jurídico para essa carnificina cotidiana”.
Henrique Vieira também acredita que o racismo mata antes mesmo do aniquilamento físico, porque opera no meio cultural, simbólico e no imaginário coletivo, que naturaliza e deseja essa morte.
Autor do pedido para a realização do debate, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) relatou ter apresentado um projeto de lei (PL 2999/22) para obrigar o Estado a reparar familiares de vítimas da violência policial.
“O projeto de lei Mães de Maio é uma medida que procura introduzir reparação por parte do Estado em função da violência que ele perpetrou e ceifou a vida de milhares e milhares de jovens, sobretudo meninos negros da periferia.”
Pelo projeto, o poder público deverá oferecer à família da vítima de violência estatal amparo jurídico, econômico, social, psicológico e médico.